Corte de R$ 600 mi da ciência foi 'rasteira' do governo, diz presidente do CNPq
Caso não haja restituição dos valores até 1º de novembro não há certeza de que a chamada universal de bolsas de pesquisa possa ser realizada
O presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), classificou como rasteira o corte de R$ 600 milhões do orçamento da ciência brasileira ordenado pela área econômica do governo Jair Bolsonaro.
Caso não haja restituição dos valores até 1º de novembro, disse Vilela, não há certeza de que a chamada universal de bolsas de pesquisa que envolve 30 mil pesquisadoras possa ser realizada. O edital já foi lançado, mas não há recursos garantidos até agora.
O CNPq é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Na quinta-feira (7), o Congresso Nacional atendeu a um pedido do ministro da Economia, Paulo Guedes, e aprovou projeto que retirou R$ 600 milhões previstos para a Ciência. Os recursos foram destinados para outras áreas.
A decisão da área econômica nem sequer foi acordada com o ministério e o titular da pasta, Marcos Pontes, não sabia do corte. O governo alterou de última hora um projeto de lei que efetivava movimentação orçamentária.
Evaldo Vilela participou nesta sexta-feira (15) de debate promovido pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) no âmbito do evento Mobilização em Defesa da Ciência.
Pela manhã, um tuitaço mobilizou a rede social com as hashtags #SOSCiencia e #LiberaFNDCT, em referência aos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
O presidente do CNPq defendeu a mobilização em prol do orçamento da ciência. "Precisamos nos reunir e fazer uma ação conjunta e mais forte, porque as adversidade são muito grandes. E nós estamos avançando muito pouco, e de repente a gente leva uma rasteira dessa que aconteceu ai, muito de improviso", disse.
Vilela disse que o corte foi um "susto, frustração e indignação". O ministro Marcos Pontes também se posicionou contra a decisão, mas, em audiência na Câmara nesta semana, parlamentares cobraram responsabilidade dele sobre a situação.
O corte de R$ 600 milhões vem na esteira de reduções sistemáticas de orçamento na pasta. O CNPq, por exemplo, tem em 2021 o menor orçamento ao menos desde 2012, mesmo em valores nominais.
A escassez de orçamento da pasta provocou a interrupção, no mês passado, da produção de insumos para tratamentos de câncer. O governo patrocinou o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) 16/2021 para, entre outras coisas, recompor os recursos para esse fim.
No entanto, por decisão de Paulo Guedes, esse mesmo projeto foi alterado de última hora e resultou no corte dos recursos da ciência.
Evaldo Vilela disse que o cenário ainda é de um "mundo de incertezas" mas que espera até 1º de novembro o envio de um novo PLN que restabeleça os valores. A preocupação maior é com o edital universal.
"Porque depois do 1º de novembro o PLN não tiver sido enviado, vamos falar com o nosso jurídico pra ver o caminho que vamos tomar", disse o presidente do CNPq.
Questionado no meio da semana, o Ministério da Economia não confirmou se há decisão para a recomposição desses valores.
Esse edital é de R$ 250 milhões e envolve cerca de 30 mil pesquisadores. O conselho já recebeu submissões.
Cerca de 84 mil bolsistas são financiados com recursos do CNPq e, segundo Vilela, os pagamentos estão garantidos. O órgão apoia atualmente 2.201 projetos de pesquisa, segundo dados oficiais.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, disse que soa muito estranho que a alteração do PLN tenha sido feito no último instante e sem praticamente dar tempo de reação.
"Mas não vamos deixar essa luta, vamos continuar enquanto for necessário para salvar os orçamentos da ciência", disse Janine. O físico Luiz Davidovich, da ABC (Associação Brasileira de Ciências), classificou a manobra do governo como golpe e questionou sobre os responsáveis da decisão.
O evento da mobilização também contou com outras entidades, como a ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) e Confies (Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica).
Mesmo com as reduções de orçamento, o CNPq continua com papel de protagonismo na pesquisa brasileira.
No ano passado, 27.951 artigos científicos publicados tiveram financiamento da agência. Isso representa 40% da produção científica brasileira, segundo os dados indexados na base Web of Science e colhidos pelo conselho. Em 2015, esse percentual era de 44,5%, mas, ainda assim, a proporção atual posiciona o CNPq como a maior agência de fomento do país.