ONU: empoderar a mulher é lucrativo

Representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman defende de forma categórica: "não é somente um discurso feminista, é uma oportunidade de gerar negócios"

Princípios para o empoderamento feminino - Arte/FolhaPE

Resolver a desigualdade de gênero em todas as suas dimensões poderia adicionar 14% ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita nos países da América Latina até 2025. Somente no Brasil, isso significa um incremento de 30% no PIB (US$ 850 bilhões), de acordo com levantamento do McKinsey Global Institute. Embora o braço feminino seja uma grande força para a economia (mais de 40% da mão de obra global) e muitos avanços na promoção da equidade de gênero já tenham sido alcançados, boa parte dessa energia ainda permanece subutilizada por esbarrar em lacunas de gênero, aponta a publicação "Princípios para o empoderamento econômico feminino", da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres e Pacto Global. Representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman defende de forma categórica: "empoderar a mulher não é somente um discurso feminista, é uma oportunidade de gerar negócios".


Ampliar a participação das mulheres na economia, a partir do acesso a empregos, educação e renda, entre outras questões, pode ser a saída para a retomada do crescimento da economia brasileira?
O talento e a força das mulheres contribuem para o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países. Por isso, utilizar e fomentar a participação das mulheres na economia é importante, principalmente porque estamos cada vez mais bem preparadas, com acesso à educação superior, porém, esse talento está sendo desperdiçado porque ainda não há acesso às mesmas oportunidades de trabalho. Quando se faz um recorte entre mulheres negras e brancas, comparadas aos homens negros e brancos, os abismos são ainda maiores. Apenas 0,4% das mulheres negras estão no topo da liderança das empresas brasileiras. Chega a ser ridículo.
Em tempos de crise, como a que o Brasil vive atualmente, crescem o desemprego, o emprego informal, o subemprego e a falta de oportunidades. Considerando essa realidade, quais são os principais desafios para o empoderamento econômico das mulheres atualmente?
A gente tem a meta da construção de um planeta 50-50 (igualitário) até 2030 - compromisso assumido por mais de 90 países, incluindo o Brasil, para promover a igualdade de gênero. Aqui, ainda precisamos trabalhar muito fortemente em políticas públicas. Temos que ter políticas macroeconômicas que promovam o empoderamento das mulheres; superem as barreiras de gênero; combatam o trabalho precário e informal; promovam trabalho com todos os direitos e oportunidades e generalizem o acesso à proteção social porque ainda temos muitas mulheres no mercado de trabalho, mas em condições precárias.

Qual o papel das empresas na redução dessas desigualdades?
As empresas empregam 80% da força de trabalho no Brasil e têm um papel muito importante a cumprir. Por isso lançamos uma cartilha com sete princípios - um pacto global para produzir a igualdade de gênero. Ela propõe mudanças internas que as empresas têm que fazer, como incluir mulheres na liderança, ter bons planos de formações, licença de maternidade e paternidade. Essas mudanças devem reverberar na relação das companhias com seus fornecedores e com as comunidades. Isso é vantajoso para a empresa, não somente por ser uma questão de direitos humanos, mas também tem um impacto importante para os negócios, porque as empresas que promovem a equidade de gênero são comprovadamente mais rentáveis.

O empreendedorismo também é uma saída para a maior participação feminina na economia?
Sim, mas isso tem que ser bem entendido. Microempreendedorismo em condições ruins não resolve o problema, e sim a oportunidade com acesso a crédito, capacitação, previdência. Sair da pobreza vendendo comida para fora é bom, mas não é suficiente. A gente tem que pensar em um sistema que tenha políticas públicas para as empreendedoras, uma rede de proteção e de direitos.

O Governo Federal defende uma reforma da Previdência que iguala as idades de aposentadoria de homens e mulheres. Neste caso, a igualdade seria prejudicial? Para você, as leis brasileiras avançaram sob a ótica feminina?
Tivemos avanços importantes em termos legais nos últimos anos, como a valorização do salário mínimo, a formalização do trabalho doméstico - que tinha sete milhões de mulheres (80% negras) no mercado informal doméstico, entre outros. Isso demonstra um compromisso do Brasil com o tema. Com respeito à Previdência, do jeito que está se apresentando, ela não reconhece as diferenças entre os trabalhos aos quais as mulheres estão expostas. Essa equiparação é impossível, porque no Brasil não existe igualdade de gêneros. (No Brasil, as mulheres trabalham 7,5 horas a mais do que os homens por causa da dupla jornada, embora os homens brancos ainda tenham os maiores salários do País. Mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas não remuneradas no Brasil, diz o Ipea)

Qual caminho deve ser percorrido para o empoderamento econômico feminino? O que a ONU Mulheres tem feito no Brasil neste sentido?
A ONU mulheres está desenvolvendo, no mundo, ações para a construção de um planeta 50/50. Atuamos junto ao governo brasileiro, por exemplo, com o selo pró equidade de gênero e raça - um mecanismo do governo brasileiro para que as empresas que ganharem os selos promovam ações dentro desta temática. No Brasil, também promovemos os sete princípios de empoderamento das mulheres, que foram assinados por 107 companhias. A cartilha aponta práticas que devem ser seguidas por empresas, governos e agentes econômicos para superarmos a desigualdade de gênero. Em parceria com algumas empresas também estamos criando fundos de empoderamento para promoção de ações, além das nossas atividades de assistências técnicas e parcerias com movimentos feministas e a comunidade.