Economia

Planalto adia anúncio de Auxílio Brasil fora do teto após pressão de Guedes e reação do mercado

O Auxílio Brasil, programa social que substituirá o Bolsa Família, deverá pagar em média R$ 400 por família

Cartão do Bolsa Família - Jefferson Rudy/Agência Senado

O Palácio do Planalto desistiu de realizar cerimônia nesta terça-feira (19) para anunciar que o Auxílio Brasil, programa social que substituirá o Bolsa Família, deverá pagar em média R$ 400 por família -acima do previsto anteriormente.

O recuo ocorre após nervosismo do mercado diante da possibilidade de o governo aumentar gastos acima do teto, e pressão do ministro Paulo Guedes.

A Bolsa de Valores brasileira operava em forte queda e o dólar avançava firme na tarde desta terça-feira.
A cerimônia não entrou na agenda oficial do presidente ou dos ministros, mas foi confirmada reservadamente por autoridades.
 

A Bolsa de Valores brasileira operava em forte queda e o dólar avançava firme na tarde desta terça-feira. Nos momentos mais tensos, o Ibovespa, principal indicador da B3, atingiu a marca de 109.947 pontos, queda de quase 4%, e o dólar foi a R$ 5,61.

A cerimônia não entrou na agenda oficial do presidente ou dos ministros, mas foi confirmada reservadamente por autoridades.

O cerimonial do Planalto organizou o Salão Nobre do palácio, onde ocorrem normalmente os eventos públicos. Enquanto a cerimônia era cancelada, alguns convidados ainda chegavam ao local.

Diante da repercussão ruim da indicação de que o auxílio furaria o teto, os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e da Cidadania, João Roma, foram à Câmara tentar discutir alternativas.

Participaram da reunião líderes partidários da Câmara e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Segundo participantes do encontro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), demonstrava irritação durante a conversa.

Ao final do encontro, João Roma e Ciro Nogueira foram evasivos e não deram muitos detalhes sobre o resultado das conversas.

"Estamos chegando aos detalhes finais de uma proposição que viabilize o pagamento do novo auxílio, e para isso nós viemos visitar o presidente da Câmara para tratar de detalhes, inclusive o texto dos precatórios", disse Roma, que afirmou não haver definição sobre valores.

Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita gastos com precatórios -dívidas do governo reconhecidas pela Justiça- tramita no Congresso.

Ambos seguiram para reunião no Palácio do Planalto para tentar fechar o texto do Auxílio Brasil.
O plano que chegou a ser previsto para anúncio definia que o Auxílio Brasil deveria pagar em média R$ 400 por família, acima do previsto anteriormente. O governo planejava alcançar o valor com duas manobras fiscais.

A estratégia para criar o novo programa previa contornar a compensação orçamentária exigida pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e também driblar a regra constitucional do teto de gastos (que impede o crescimento real das despesas federais).

"Estávamos caminhando no relatório de uma forma e com essa mudança ficou tudo em aberto", criticou o relator da medida provisória do benefício, Marcelo Aro (PP-MG), que também participaria do encontro com Ciro e João Roma no Planalto.

Ele afirmou ter acompanhado as notícias sobre a criação de auxílios temporários pela imprensa. "Hora nenhuma o Ministério da Economia me passou esses números."

A rigor, o programa social tem hoje recursos garantidos para pagar menos de R$ 200, em média, aos beneficiários -aproximadamente o valor atual do Bolsa Família. O Ministério da Economia planejava elevar o montante para R$ 300 usando os recursos da taxação de dividendos, contida no projeto do Imposto de Renda, mas o texto está estacionado no Senado.

A alternativa encontrada foi, em um primeiro passo, elevar os recursos para o programa usando uma parcela temporária de aproximadamente R$ 100 a ser paga até dezembro de 2022. A visão é que, com isso, ficaria dispensada a exigência da LRF de compensar os valores (por meio de mais receitas ou corte de despesas). Isso porque programas que duram menos de dois exercícios não precisam ser compensados.

Além disso, outros R$ 100 serão pagos por meio de créditos extraordinários fora do Orçamento e, portanto, fora teto de gastos. Há dúvidas sobre como o governo fará o embasamento legal dessa estratégia.

O pagamento por meio de créditos extraordinários é autorizado pela Constituição apenas em casos de imprevisibilidade e urgência, e o mecanismo está sendo previsto para 2022 com o Orçamento ainda aberto a modificações.

Pelo plano em discussão, o gasto fora da regra fiscal ficaria entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. Mas há temor na equipe econômica de que o furo no teto possa "abrir a porteira" da irresponsabilidade fiscal, especialmente às vésperas de 2022, quando Bolsonaro deve tentar a reeleição.

A engenharia orçamentária para destravar o Auxílio Brasil envolve a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia o pagamento de precatórios. A expectativa era que o projeto fosse votado nesta terça na comissão da Câmara que cuida do assunto. A votação, porém, não ocorreu por causa de divergências em relação ao texto.

Além disso, o governo queria incluir na PEC um dispositivo para viabilizar juridicamente os benefícios temporários do Auxílio Brasil.

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