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Projeto no Congresso prevê medidas que podem bloquear Telegram, aposta de Bolsonaro para 2022

Um dos motivos seria pelo fato do Telegram não ter representante legal no Brasil, que é uma obrigação demandada pelo projeto

As sanções previstas para empresas que descumprirem a lei vão desde uma advertência até a proibição de exercício das atividades no país - Reprodução/Internet

O substitutivo do projeto de lei das fake news, que será discutido na Câmara dos Deputados na próxima terça-feira (26), prevê medidas que podem levar ao bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram no Brasil.

O texto costurado pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), determina que os provedores deverão nomear representantes legais no Brasil e fornecer informações sobre os mesmos em seus endereços na internet.

O Telegram não tem representante legal no Brasil, não responde a comunicações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e descumpre sistematicamente determinações do Ministério Público.

As sanções previstas para empresas que descumprirem a lei vão desde uma advertência até a proibição de exercício das atividades no país, dependendo da gravidade.

A avaliação da gravidade leva em conta, entre outras coisas, a reincidência nas infrações e o impacto sobre o fluxo de informações no território.

O aplicativo de mensagens teve crescimento meteórico no país e vem sendo promovido pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados bolsonaristas, que acusam outras plataformas de censura.

O canal de Bolsonaro no Telegram tem mais de 1 milhão de inscritos e pode ser um dos trunfos do presidente na eleição de 2022.

O Telegram estava instalado em 35% dos smartphones brasileiros um ano atrás e, hoje, está em 53%, segundo pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box sobre mensageria móvel. O WhatsApp está instalado em 99% dos celulares.

O trecho da lei foi pensado especificamente para evitar que o Telegram, usado para disseminação de desinformação eleitoral, sanitária e venda de armas e drogas, continue à margem da legislação brasileira.

O aplicativo de origem russa é baseado em Dubai, nos Emirados Árabes, e tem representação legal no Reino Unido. A empresa tem como uma de suas bandeiras não cooperar com nenhum governo e só moderar conteúdo relacionado a terrorismo –por exemplo, de facções como o Estado Islâmico.

"A lei brasileira vale para todos os prestadores de serviços que têm sede no Brasil ou oferecem serviços no país; não cumprir a lei produzirá efeitos jurídicos, abrirá caminho para sanções, da advertência ao bloqueio do funcionamento", diz o deputado Orlando Silva.

Para alguns especialistas, no entanto, o bloqueio seria uma medida extrema.

"Apesar de isso já ter sido adotado em outros países especificamente em períodos eleitorais, essa deve ser a última alternativa porque interfere substancialmente no direito à liberdade de expressão. E também, nada impede que a indústria de desinformação se rearticule e utilize outras plataformas", diz Bruno Bioni, diretor do Data Privacy Brasil.

Um ponto é a rastreabilidade de mensagens em aplicativos como WhatsApp e Telegram, que ainda está em discussão, diz Orlando Silva.

A proposta vinda do Senado determinava que os serviços de mensageria privada guardassem os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa, pelo prazo de três meses.

Como é impossível prever quais seriam encaminhadas em massa, a medida exigiria armazenamento dos dados referentes a todas as mensagens. Ela é considerada extrema e uma ameaça à privacidade e liberdade de expressão por entidades como a Data Privacy Brasil.

Outra proposta em discussão diferenciaria entre mensagens públicas e interpessoais. As mensagens públicas seriam armazenadas automaticamente e os metadados poderiam ser requisitados com ordem judicial.

A medida permitiria ao usuário de aplicativo escolher se determinada mensagem é pública -então ela pode ser reencaminhada e armazenada para fins de rastreamento, ou interpessoal, que não pode ser reencaminhada, nem armazenada pelos provedores.

A ideia é rastrear a origem de mensagens de desinformação que viralizam. A proposta tem a simpatia de legisladores, mas é considerada invasiva pelos defensores de privacidade.

Duas outras propostas –do advogado Danilo Doneda, professor do IDP, e a de um grupo de juristas– preveem que se poderia pedir aos provedores o armazenamento de mensagens de determinadas pessoas suspeitas de ilícitos.

Seria bastante semelhante a uma interceptação telefônica, as mensagens da pessoa passam a ser grampeadas a partir de pedido, embora o conteúdo não seja legível, apenas os metadados.

No caso de Doneda, a preservação dos metadados das mensagens poderia ser solicitada por meio de um pedido administrativo. Mas o uso dessas informações precisaria de uma ordem judicial.

As duas propostas representariam menor risco aos direitos fundamentais. No entanto, para críticos, elas propõem algo que já é possível de ser feito hoje em dia, e continuará a ser muito difícil rastrear campanhas de desinformação.

"A grande maioria dos usuários de serviços de mensagem instantânea fazem uso legítimo dessa ferramenta. Há uma minoria que maneja para disseminar desinformação. A lei precisa mirar nesse grupo, que faz uso malicioso", diz Orlando Silva.

"Ainda debatemos quais as medidas mais eficazes para combater fake news, restringindo a viralização e garantindo um roteiro para alcançar a autoria dessas mensagens. E, ao mesmo tempo, buscamos preservar liberdade de expressão e privacidade."

De acordo com o deputado, os trechos ainda são provisórios e serão discutidos com o grupo de trabalho.
O substitutivo incorpora aspectos do projeto de lei enviado pelo governo e dos textos apresentados por deputados bolsonaristas, que impedem as plataformas de internet de fazer moderação de conteúdo sem ordem judicial ou de retirarem ou banirem contas sem "justa causa".

Por esses projetos, as plataformas ficam impedidas de aplicar suas normas de comunidade, como a que veda linguagem que com ameaça à integridade do sistema eleitoral ou incitação à violência.
No substitutivo, entraram medidas de responsabilização das plataformas sobre remoção de perfis e conteúdos, mas menos extremas do que as propostas pelos bolsonaristas.

Segundo o texto, agentes públicos cujas contas forem suspensas, banidas ou tiverem conteúdo removido ou com alcance reduzido podem entrar na Justiça contestando a decisão, e o Judiciário pode determinar às plataformas que restabeleçam contas e conteúdos.

Da mesma maneira, contas de interesse público (de agentes públicos) são regidas pelos princípios da administração pública, e esses agentes não podem bloquear seguidores.

Todos os usuários de redes sociais que tiverem conteúdo ou contas excluídos ou rotulados devem ser notificados e receber a fundamentação da decisão das plataformas, e devem oferecer canais para recurso com resposta assegurada.

Além disso, os provedores devem produzir relatórios trimestrais de transparência informando procedimentos e decisões de exclusão, redução de alcance e rotulagem de conteúdos.

O texto estabelece que disparo em massa de mensagens "que veiculem conteúdo passível de sanção criminal ou fatos comprovadamente inverídicos capazes de colocar em risco a vida, a integridade física e mental, a segurança das pessoas, e a higidez do processo eleitoral" torna-se crime com pena de 1 a 5 anos de reclusão.

Na campanha eleitoral de 2018, os disparos em massa de WhatsApp foram usados para divulgar de notícias falsas, a maior parte para beneficiar Bolsonaro, como mostraram reportagens do jornal Folha de S.Paulo na época.

Desde então, a rede social pertencente ao Facebook ajustou sua conduta e tem colaborado com a Justiça Eleitoral para minimizar seu papel na disseminação de desinformação. Limitou grupos e passou a identificar conteúdo encaminhado e a restringir as possibilidades de compartilhamento.