Peso da pandemia

Peso da pandemia: além do luto, sobrecargas durante o trabalho remoto se tornam mais difíceis

Trabalhadores aumentaram a produtividade tanto por exigências do empregador quanto para ocupar a mente durante o pico da Covid-19 no Brasil

Trabalho em modelo remoto - Greg / Artes / Folha de Pernambuco

No período de restrições das atividades, principalmente no início da pandemia, diversos trabalhadores que tiveram o privilégio de trabalhar de forma remota foram absorvidos pela lógica de trabalho. Como imposição, fuga, distração, ou até forma de gastar a energia que não estava sendo destinada para outras atividades, muitas pessoas se viram dragadas pelo trabalho por 10, 12, 16, 18 horas por dia. Isso sem contar a disponibilidade 24h por meio de aplicativos de comunicação. 

Por conta do trabalho em modelo remoto ou semi-remoto, o uso de aplicativos de comunicação, como WhatsApp e Telegram, para demandas de trabalho, aumentou. Entre os meses de maio e novembro de 2020, 11% das pessoas que continuaram empregadas durante a pandemia no Brasil conseguiram exercer suas atividades de forma remota, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual é equivalente a 8,2 milhões de trabalhadores.

Walter Nascimento Jr., 28, professor, precisou se adaptar ao modelo home office quando as aulas foram suspensas. “Apesar de precisarmos postar aulas em horários de aula, os alunos respondiam e acessavam quando podiam ou queriam, e isso fazia com que, muitas vezes, a gente tivesse recebendo mensagem às duas da manhã, às três da manhã, que era um horário em que eles se sentiam mais ativos”, relatou o professor. 

Além disso, o ensino precisou de outras ferramentas para chegar com efetividade ao aluno. “Nosso tempo se dividiu, durante a pandemia, entre planejar a aula, gravar aula, editar aula, postar aula, tirar dúvidas dos alunos, corrigir a atividade e dar uma devolutiva, o que tomava um tempo que a gente antes não precisava demandar”, explicou Walter. 

Até quem não entrou em home office passou por momentos de sobrecarga no trabalho. É o caso de Camila Andrade, 26, engenheira de minas, que se acostumou a acordar para trabalhar e parar de trabalhar para dormir. “Nunca trabalhei tanto na vida quanto nesse período da pandemia, é como se todo mundo tivesse se sobrecarregado mais. Porque ninguém fazia mais nada, só trabalhava”, relatou. 


Em uma análise do professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Trabalho Sidartha Sória e Silva, a pandemia impulsionou mudanças que já estavam previstas para o mercado de trabalho no Brasil desde a Reforma Trabalhista de 2017. 

Ed Machado / Folha de Pernambuco 

“Nossas leis trabalhistas já não cobrem tanto o trabalhador como deveriam. Não há algo que impeça que o trabalhador não possa ser cobrado, não deva ser cheio de tarefas num momento em que ele não está determinado a trabalhar. Não tem esse limite do uso do mundo virtual ou do mundo da comunicação para invadir”, explicou o sociólogo. 

A sobrecarga não contabilizada de trabalho por demanda distribuída por aplicativo de mensagem impõe aos trabalhadores um quantitativo de trabalho, na maioria dos casos, não remunerado. 

Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, projetos ainda tramitam no sentido de regulamentar o trabalho em home office. O projeto de Lei 5341/20, por exemplo, visa garantir que o empregador custeie 30% dos gastos com internet, energia e equipamentos do funcionário durante o trabalho remoto. 

Já no projeto de  Lei 612/2021, além do suporte financeiro, o empregador tem o dever de respeitar o desligamento de funcionários dos meios de comunicação com a empresa. Nele, fica estabelecido que nos horários de repouso e durante o intervalo entre as jornadas é assegurado ao trabalhador o direito de se desconectar dos instrumentos de telefonia, mecânicos ou tecnológicos de trabalho, sendo considerados abusivos ou intimidatórios os contatos e ordens emitidas dentro desses horários, exceto em caso de emergência, devidamente comprovada.

Ed Machado / Folha de Pernambuco 

De acordo com Sidartha, o trabalho com sobrecarga de produção tende ao adoecimento do empregado. “Em toda parte, se vê esse processo de invasão do tempo de trabalho sobre o tempo que não trabalha. Por evidências e efeitos isso em si gera um impacto sobre a saúde física e sobre a saúde mental”, explicou. 

Camila, em seu trabalho, que funcionava tanto no presencial como no modelo remoto, precisou de terapia para compreender que não é saudável se manter em sobrecarga só por conta da  disponibilidade de tempo não usado em sua vida pessoal. “A gente fazia isso (trabalhar em modelo de superprodução) quando a gente não saía, não tinha tempo de desenvolver uma vida social. Só que agora ‘as coisas estão voltando’ e as pessoas estão tendo vida social. Então elas não podem seguir no mesmo ritmo, não é saudável”, relatou. 
 

-“Antes eu trabalhava, chegava em casa e abria o computador. Ficava trabalhando até meia-noite”-

A rotina exaustiva de Camila, trabalhando em modelo presencial e ainda quando chegava em casa, foi descoberta após uma enxaqueca com aura, que se caracteriza por uma alteração da visão, com aparecimento de pontos de luz e visão embaçada, seguidos de uma forte dor de cabeça constante. A engenheira de minas já tinha registros do problema e sabia que ele se intensificava em situações de estresse.

Ela realizou alguns exames para identificar se estava com algum problema físico. Com os resultados, Camila notou que não havia nada de errado com sua saúde física e suspeitou que estava desenvolvendo problemas de saúde devido ao estresse intensificado pela sua carga de trabalho. Para medicar isso, ela resolveu se tratar psicologicamente. 

“Percebi que eu não tinha mais momentos de equilíbrio entre minha vida social, profissional e pessoal. Eu só tinha profissional. Então comecei a trabalhar com a minha mente. Hoje eu tô bem, hoje eu tenho controle de saber o que é realmente necessário e prioridade para poder me fazer pensar em trabalhar fora do meu horário de trabalho”, assegurou.