Sudão

Premier sudanês volta para casa e manifestantes são alvo de gás lacrimogêneo

Em seu comunicado, o gabinete lembra que "vários ministros e dirigentes políticos continuam detidos em locais desconhecidos"

Os militares tinham detido na segunda-feira o primeiro-ministro Hamdok e sua esposa, que foram levados de volta para sua casa na noite desta terça-feira (26) e postos sob "estreita vigilância" - Ashraf Shazly / AFP

O primeiro-ministro sudanês, Abdala Hamdok, foi levado para sua casa e está sob "estreita vigilância" no segundo dia de um golpe militar, rejeitado nas ruas por manifestantes que foram alvo de bombas de gás lacrimogêneo.

O Conselho de Segurança da ONU iniciou uma reunião a portas fechadas sobre a situação no Sudão, onde o golpe do general Abdel Fattah al Burhan deixou em suspenso a transição para eleições livres em 2023.

Os militares tinham detido na segunda-feira o primeiro-ministro Hamdok e sua esposa, que foram levados de volta para sua casa na noite desta terça-feira (26) e postos sob "estreita vigilância", informou o gabinete do premier.

Em seu comunicado, o gabinete lembra que "vários ministros e dirigentes políticos continuam detidos em locais desconhecidos". 

Pelo segundo dia consecutivo, milhares de sudaneses protestaram contra o exército em Cartum, bloqueando ruas do centro com pedras, galhos e pneus em chamas. As forças de segurança foram deslocados com blindados em pontes e grandes rodovias.

À noite, as forças de segurança dispararam bombas de gás lacrimogêneo contra pessoas que bloqueavam uma rodovia, segundo testemunhas. Mas os manifestantes continuaram com o protesto.

Na segunda-feira, ao menos quatro manifestantes morreram atingidos por tiros "disparados pelas forças armadas" e mais 80 ficaram feridos, informou um sindicato de médicos pró-democracia.

Os manifestantes querem "salvar" a "revolução" que depôs o ditador Omar al Bashir em 2019, após uma repressão que matou 200 pessoas.

"Não sairemos das ruas até que o governo civil seja reinstalado", declarou à AFP Hocham al Amin, um engenheiro de 32 anos.

"Atacar o exército"

Durante coletiva de imprensa, o general Abdel Fattah al Burhan, novo homem forte do Sudão, defendeu nesta terça o golpe um dia depois de ter destituído as autoridades de transição (o Conselho soberano) e detido ministros e autoridades civis.

Ele afirmou ter destituído as autoridades, que deviam conduzir o país para a transição porque "alguns atacavam o exército contra este componente essencial da transição".

O futuro político deste país pobre do leste da África é uma incógnita. Por enquanto, todos os voos com origem e destino no aeroporto de Cartum foram suspensos "até 30 de outubro", informou à AFP Ibrahim Adlan, diretor de aviação.

Para a troika de países (Estados Unidos, Grã-Bretanha e Noruega), que mediou conflitos sudaneses previamente, "as ações dos militares traíram a revolução e a transição".

Para aumentar a pressão sobre os golpistas, os Estados Unidos anunciaram a suspensão de uma ajuda de 700 milhões de dólares, destinada à transição, que devia levar este país a suas primeiras eleições livres.

A União Europeia também ameaçou suspender o apoio financeiro "se a situação não se inverter imediatamente".

Processo frágil

Apenas Moscou evitou as críticas e atribuiu o golpe a "uma política equivocada" e à "ingerência estrangeira" neste país, onde russos, turcos, americanos e sauditas disputam a influência, atraídos por seus portos estratégicos no Mar Vermelho.

O processo de transição no país, motivo de orgulho para muitos sudaneses ante o desenlace decepcionante de outras revoltas pró-democracia no mundo árabe, claudicava há tempos.

Em abril de 2019, militares e civis acordaram expulsar Bashir do poder e formar o Conselho Soberano, composto equitativamente por membros dos dois grupos para organizar as primeiras eleições livres no fim de 2023.

O golpe freia a transição e expõe com toda clareza o racha crescente entre os que pediam um governo exclusivamente civil e os que reivindicam um Executivo de generais que tirariam o Sudão do marasmo político e econômico.

Segundo Jonas Horner, pesquisador do International Crisis Group, "é um momento existencial para os dois lados", em um país onde já houve uma tentativa de golpe há um mês. "Este tipo de intervenção [...] reintroduz a ditadura como opção", disse.

Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, afirmou que houve um "desastre".

Diante das críticas, o general Burhan afirma que serão respeitados os acordos internacionais assinados pelo Sudão, um dos quatro países árabes que normalizaram recentemente suas relações com Israel.