Investimento em renda fixa indexada à inflação se destaca com alta dos juros
Com a Selic em 7,75%, as debêntures incentivadas têm um ganho anual real estimado em 2,38%
O aumento da taxa Selic pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) nesta quarta-feira (27) em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, colocou a renda fixa, em especial as debêntures incentivadas, em larga vantagem em relação aos demais investimentos, segundo levantamento do buscador de aplicações financeiras Yubb.
Diante do cenário de incertezas, porém, analistas reforçam recomendações por investimentos em renda fixa de perfil conservador, com destaque para os títulos públicos indexados à inflação.
Com a Selic em 7,75%, as debêntures incentivadas têm um ganho anual real estimado em 2,38%, segundo o Yubb. Os demais investimentos avaliados estão com retorno real estimado negativo: poupança (-3,24%), Tesouro Selic (-2,61%), CDB de banco médio (-0,92%), CDB de banco grande (-3,73%), Letra de Câmbio (-0,36%), Letra de Crédito do Agronegócio (-1,34%), Letra de Crédito Imobiliário (-1,06%) e Recibo de Depósito Bancário (-0,58%).
Criados em 2011 para atrair investidores privados (pessoas jurídicas ou físicas) para colocar dinheiro em projetos de infraestrutura do país, os títulos de debêntures incentivadas têm como diferencial a isenção de Imposto de Renda sobre os retornos auferidos.
Esses papéis costumam pagar uma taxa prefixada mais a variação da inflação, o que vem dando vantagem a eles nesse período de alta de preços.
Bernardo Pascowitch, fundador do Yubb, explica que o levantamento retrata o momento em que os principais títulos de renda fixa do país perdem para a inflação, uma vez que a Selic ainda não está acima do aumento no custo de vida.
A análise considera a inflação acumulada em 8,96% em 2021, e a possibilidade de que o índice termine o ano acima ou muito próximo dos 10%.
Pascowitch alerta, porém, que as debêntures são ativos de riscos mais elevados dentro da renda fixa, pois são títulos de dívida corporativa sem garantia do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).
"A gente está olhando justamente para o risco de crédito, a qualidade do crédito da empresa emissora. Então, são ativos muito mais arriscados, sem nenhum tipo de garantia no comparativo com os outros títulos", diz.
"Mas como tudo em investimentos, existe a relação entre risco e retorno: quanto maior o risco, maior o potencial de retorno", acrescenta.
TÍTULOS PÚBLICOS INDEXADOS À INFLAÇÃO
Diretora de investimentos da gestora de patrimônio Sonata, Patrícia Palomo diz que tem recomendado aos clientes que reduzam a alocação em fundos multimercados, que de modo geral têm maior dificuldade de entregar resultados destacados em cenários de alta dos juros.
Na outra ponta, a especialista afirma que o dinheiro sacado dos fundos do tipo multiestratégia deve ser destinado neste momento principalmente para as oportunidades na renda fixa, que, na avaliação da diretora da Sonata, mostram-se cada vez mais atraentes.
"Os investidores deveriam aproveitar a janela que a renda fixa está oferecendo", diz a especialista.
Frente a um risco crescente de desancoragem das expectativas de inflação para 2022, a diretora de investimentos indica opções de títulos públicos que têm oferecido uma taxa preestabelecida, além da variação do IPCA (índice oficial de inflação do país), de modo a garantir o poder de compra do investidor.
No Tesouro Direto, programa digital de compra e venda de títulos públicos, papéis como o Tesouro IPCA para 2026 ofereciam nesta quarta-feira (27) juro real de 5,4% ao ano.
Palomo afirma também que os níveis de dois dígitos em taxas prefixadas no Tesouro Direto chamam atenção, mas que é preciso ter uma dose maior de cautela nesse caso, frente ao risco de a inflação seguir pressionada por mais um bom tempo.
Ela diz ainda que, frente aos prêmios oferecidos na renda fixa de baixo risco nos títulos públicos, é preciso avaliar com cuidado alternativas no crédito privado -a diretora afirma que a taxa de rentabilidade excedente em relação aos papéis do governo giram hoje ao redor de 1 ponto percentual, o que não é considerado um patamar suficientemente atrativo pela especialista.
Na mesma linha, Carlos Belchior, estrategista-chefe da G5 Partners, diz que, a despeito da especialidade da casa no segmento de crédito privado, tem privilegiado para a carteira dos investidores os títulos públicos indexados à inflação de médio prazo, com vencimentos entre 2028 e 2030, de menor volatilidade em comparação aos vértices mais longos.
"O investimento mais inteligente no momento são os títulos públicos indexados à inflação", diz Belchior. O estrategista-chefe da G5 cita uma oferta de CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) da empresa J Macêdo nesta semana realizada no mercado, em que a demanda superou em cerca de quatro vezes o tamanho da oferta de cerca de R$ 200 milhões.
A procura foi tanta que achatou o prêmio do ativo de uma proposta inicial ao redor de 3 pontos percentuais, ante os juros dos títulos públicos indexados à inflação, para algo perto de 1,25 p.p., diz Belchior.
"Diante das taxas nas NTN-Bs [títulos indexados à inflação], temos trocado o risco de crédito privado pelo público", afirma o especialista. "O Brasil é um lugar de juro, não é um lugar de Bolsa."
Ele acrescenta ainda que o nível de taxas se relaciona diretamente com o aumento das incertezas no cenário político e econômico do Brasil em 2022, cenário esse que deve prosseguir por mais um bom tempo, e tende a dificultar um desempenho mais destacado da Bolsa.
PÓS-FIXADOS ATRELADOS À SELIC
Paloma Brum, analista da Toro Investimentos, destaca que a alta da Selic beneficiará o investidor com maior exposição a títulos pós-fixados, que acompanham a taxa básica de juros.
"Para quem tem títulos prefixados ou atrelados à inflação, a Selic mais alta prejudica somente o valor atual destes títulos", diz Brum. "Quem tem o objetivo de levar esses tipos de aplicação até o vencimento não precisa se preocupar, pois terá a rentabilidade acordada no momento em que foi realizado o investimento."
Apesar da necessidade de uma seletividade maior, Fernando Ring, diretor da Suno Wealth, diz que tem encontrado boas oportunidades no mercado de emissões privadas, em CDBs pós-fixados com rendimento entre 130% e 150% do CDI, com prazos de dois a três anos.
"Esses títulos conseguem capturar imediatamente a elevação da Selic", diz Ring. O diretor da Suno Wealth diz ainda que, entre os indexados à inflação, é possível encontrar emissões bancárias pagando até cerca de 6,5% de juro real ao ano.
AÇÕES E FUNDOS IMOBILIÁRIOS
Já para a Bolsa de Valores, a expectativa não é das melhores. Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset, lembra que o aumento dos juros, além de reduzir o número de investidores interessados na classe de renda variável, reduz o valor presente das ações, frente à projeção de uma taxa de desconto mais elevada no longo prazo.
"A média da Bolsa é para baixo, mas dentro dessa média existem oportunidades", afirma Duarte, que enxerga o setor financeiro, como bancos e seguradoras, em preços bastante descontados e com perspectivas positivas frente ao cenário de juros mais altos.
"Os preços de ativos mais correlacionados com o desempenho da atividade econômica doméstica devem sofrer mais, como é o caso de empresas do setor de varejo, shopping centers, educação, transporte com foco no mercado interno e consumo discricionário, como turismo, lazer, vestuário e entretenimento", diz Brum, da Toro.
Ronaldo Patah, estrategista de investimentos do UBS, diz que, após os eventos políticos recentes no país, promoveu algumas mudanças importantes na alocação tática da carteira -investimentos em ações e em fundos imobiliários, que até então eram as categorias preferidas dentro do portfólio, foram rebaixadas para uma recomendação neutra.
"Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, [o desrespeito ao teto de gastos] foi uma decisão política, e o governo está compensando famílias que mais sofreram com as consequências da pandemia. Não há nada errado com essa lógica. Mas os agentes de mercado avaliam que o governo deveria cortar despesas a fim de criar espaço para este aumento de benefício, em vez de romper o teto de gastos", aponta Patah, em relatório.
O especialista diz ainda que medidas parecidas já foram tentadas no passado no Brasil e em outros países da América Latina, e nunca funcionaram. "A tentação de seguir novamente por esse caminho, no entanto, continua, especialmente com as eleições à frente", diz o estrategista do UBS.
Patah diz que o time econômico do banco revisou recentemente de 3,5% para 4% sua previsão para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 2022, e a taxa Selic, de 9,25% para 10,25%, no fim do ciclo.
Já a previsão para o câmbio, que era de R$ 5,00 no primeiro trimestre de 2022, passou para R$ 5,50, patamar que os especialistas acreditam que deve persistir ao longo de todo o ano que vem.
O estrategista do UBS diz ainda que a única notícia positiva no Brasil recentemente diz respeito ao sucesso no avanço da vacinação. "Isso, contudo, não é suficiente para melhorar o sentimento do mercado, até porque é um evento que já foi precificado pelos agentes", diz Patah, acrescentando que não vê nenhum fator que possa fazer a Bolsa brasileira ter um bom desempenho no curto prazo.
Frente ao aumento esperado da volatilidade no mercado local em 2022 por conta das eleições, Patah diz que vê no cenário global as melhores oportunidades para o investidor nos próximos meses.