Além do futebol profissional: boleiros descobrem oportunidades em modalidades alternativas
Bom momento financeiro do Fut7, 1 para 1 e 2 para 2 atraem até jogadores profissionais, com investimentos a nível de séries C e D do Campeonato Brasileiro
Pula, cai, levanta, mete gol, vibra. Abre espaço, chuta e agradece. Esse é o sonho de todo jogador de futebol dentro do campo, como cantado por Jorge Ben Jor em "Umbabaruma", em 1976. O futebol é o esporte que mais mexe com quem o acompanha, em todos os aspectos, do técnico ao físico, passando pelo mental e chegando até a parte financeira, cuja realidade, no geral, passa longe do mundo glamouroso de salários astronômicos e contratos milionários. Existe um futebol vasto e infindo para além de Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo.
Nesse futebol, de gente de carne e osso, a realidade é dura e muitas vezes força a interrupção do sonho de se tornar um jogador profissional, pela dificuldade de conseguir se manter com baixa remuneração.
Do amador ao profissional
O caminho até chegar em um dos 656 clubes profissionais do país (segundo levantamento da FIFA) é longo e de muita persistência. Mas mesmo com o número alto de 10.694 jogadores no Brasil, não há espaço para todos, que precisam se virar nas modalidades alternativas e amadoras, oriundas do futebol.
Celeiro de jogadores há décadas, a várzea é responsável por dar espaço para muitos dos que desejam seguir no esporte. No entanto, por ser amador, os pagamentos são feitos por jogo.
Os últimos anos aumentaram as possibilidades para esses atletas, com novas modalidades e uma realidade de investimentos que vem superando divisões inferiores do futebol profissional do país.
Modalidades alternativas e nova realidade financeira
No Recife, modalidades como o 1 para 1, 2 para 2 e o Fut7 se tornaram vitrines para jogadores em atividade, aposentados e até atletas de base.
O Fut7, também conhecido como Futebol Society ou Futebol 7, é uma variação do futebol, disputada em campos de grama sintética. No Brasil, tem 33 anos de existência, mas só nos últimos 10 anos que passou a ter maior organização. No entanto, não é reconhecido pela Fifa e pela CBF, seguindo com status de amador. Consequentemente, não há federações e confederações únicas ou oficiais.
No país, são oito confederações, que organizam seus eventos a nível nacional e se comunicam com as federações estaduais. Em Pernambuco, são três federações, mas a mais antiga é a F7SPE (Federação Estadual de Futebol 7 Society de Pernambuco), com 26 anos de existência. Atualmente, a entidade organiza os campeonatos estaduais, que contam com três divisões.
Segundo o presidente da F7SPE, Omar Ramos, a competitividade e não obrigatoriedade de algumas particularidades do futebol profissional, como as concentrações e a distância de casa, permitem que os jogadores escolham migrar para essa modalidade.
"Os jogadores preferem o Fut7 por estarem perto de casa, por ser uma modalidade que agrega mais, os jogos são mais competitivos, que não tem aquele sistema de concentração. O cara ganha a mesma coisa do profissional, mas sem a gerência de profissionalismo", disse.
O presidente acrescentou, exemplificando com a situação do meia Renato Henrique, de 28 anos, que recentemente disputou a Série C pelo Jacuipense e tem passagens por Salgueiro e Náutico, mas que hoje é um dos atletas que disputam o Campeonato Pernambucano de Fut7.
"Hoje em dia tem clube de Fut7 pagando melhor que clube de Série D e C do Brasileirão. Por exemplo Renato, que atuou no Salgueiro, no Náutico e hoje joga no Fut7, na VR, e continua tendo mercado no futebol profissional, mas está sendo remunerado no mesmo nível nessa modalidade", detalhou.
Um dos destaques do Fut7 no Brasil, o pernambucano Daniel "Coringa" se reencontrou na modalidade. No futebol profissional, viveu uma carreira modesta, acumulando passagens por clubes de Pernambuco e da Paraíba, como Serra Talhada e Botafogo-PB. Nos últimos dois anos, se destacou no 1 pra 1 e no Fut7.
Em julho, Daniel foi contratado pelo Grêmio, para disputar a Copa do Brasil, mas voltou para Pernambuco meses depois, como reforço do SA Betesporte, clube-empresa do Recife, que garante salário em torno de R$ 15 mil para o atleta, realidade que alguns clubes das Séries C e D não conseguem ter.
Para o meia, a transição do campo para o Fut7 tem acontecido de forma tranquila e destacou a evolução financeira que a modalidade vive, além de destacar que tem ganhado mais do que no profissional.
"O Fut7 não cresce só no Recife, mas no Brasil inteiro. Eu vim agora do Grêmio, estou acompanhando bem a caminhada do Fut7. Vim do campo, mas estou sendo muito bem recebido, muito bem tratado, tanto no grupo quanto financeiramente. Para falar a verdade, estou ganhando mais no Fut7 do que no profissional. Tanto o x1, o x2 e o Fut7, para mim, são alternativas muito mais viáveis", contou.
1x1 e explosão no Instagram
Além do Fut7, uma das modalidades que tem chamado a atenção em termos de imagem e de orçamento é o "1x1", conhecido como um para um, que consiste em uma partida de dois jogadores, cada um com um goleiro, sendo a vitória conquistada para quem marcar mais gols.
Fruto das peladas nas comunidades, o 1x1 explodiu nas redes sociais em 2020, alavancados pelo influenciador digital Ney Silva, que transmite e documenta as partidas no Instagram. Com 894 mil seguidores, Ney conquistou torcedores e jogadores, que acompanham fielmente os eventos transmitidos.
Não se sabe ao certo o momento exato do surgimento do 1x1, mas a adesão foi volumosa, tornando-se um produto das comunidades do Recife. No entanto, pouco se tinha em relação a visibildade das partidas, que já contavam com valores elevados de pagamento para o vencedor. De acordo com Ney, faltava o elemento de divulgação, para gerar visibilidade à modalidade.
"Não havia visibilidade e voz. Há uns dois anos, teve um jogo no Ipsep valendo R$ 10 mil ou foi R$ 5 mil, aí comecei a fazer story e vi que a quantidade de visualização praticamente triplicou"
Ney detalhou a experiência da realização do seu primeiro campeonato de 1x1, embalado pela repercussão da partida divulgada e a ideia de usar um cinturão como troféu, inspirado no UFC.
"Como vi que o pessoal gostou, eu tive a ideia de organizar meu primeiro campeonato. Daí fui buscar na base do 1x1 o que eu podia fazer para mudar e vi o UFC. No futebol a gente está acostumado a dar medalha, troféu, mas decidi colocar um cinturão. E quem quiser ser o melhor, vai ter que vir atrás do cinturão. Juntei o que tinha uma parte do futebol e do UFC e coloquei. O cinturão é o desejado", contou.
A repercussão do 1x1 atingiu níveis virais, responsáveis por mudar a modalidade e atrair investimentos de empresas, em especial do ramo de apostas, que tem construído mercado extenso no país nos últimos dois anos.
Com a chegada dos investidores, partidas de 1 pra 1 passaram a ter pagamento de mais de R$ 20 mil. Alguns jogos com maior relevância e alcance já ultrapassaram os R$ 100 mil. Por exemplo, uma partida entre Daniel "Coringa" e William "Vassoura", em junho, contou com premiação de R$ 400 mil.
No entanto, o 1x1 não conta com organização fixa, com torneios sendo realizados de forma descentralizada e com regras personalizadas. A F7SPE, por exemplo, passou a reger as modalidades 1x1 e 2x2 em 2021 e viu uma necessidade de definição fechada para as regras do 1x1. Para o presidente da F7SPE, Omar Ramos, o fato de não existir regra para a modalidade era uma mudança pedida pelos associados e interessados.
"Começamos a reger as outras modalidades a partir deste ano. Criamos uma regra própria para x1 e x2, direcionados à federação. Porque a grande reclamação era de que não existia uma regra, tudo era personalizado. Hoje, a maioria das competições são ligadas à nossa regra", explicou
Agora regendo o 1x1, a F7SPE tem a intenção de realizar campeonatos estaduais para a modalidade, para atender demanda do interior do estado. O torneio deve ser realizado no início de 2022.
Alto investimento e migração do futebol de campo
Com a chegada das empresas de apostas no mercado do Fut7, 1x1 e 2x2, o nível de investimento aumentou de forma volumosa. Somados à realização de campeonatos estaduais com divisões e calendário extenso, as modalidades chamaram a atenção dos jogadores, que passaram a fazer o "caminho inverso", vindo do futebol profissional, para o futebol "amador".
"Não existia esse crescimento como tem agora, com o investimento que existe hoje. Antes o maior investimento do Brasil era o do Flamengo. Mas você vê o investimento do Betesporte, por exemplo, é coisa de outro mundo, com orçamento maior que time de Série C do país", disse Omar Ramos.
Líder do grupo A do estadual, o SA Betesporte conta com uma folha salarial que gira em torno de R$ 150 mil, com oito jogadores atuando ainda profissionalmente no futebol de campo. No grupo B, está o Esportes da Sorte, também clube-empresa, que conta com 12 jogadores ainda registrados como profissionais.
Para Omar Ramos, a chegada de investimentos vem tirando espaço de clubes tradicionais, como Santa Cruz e Sport, que constantemente disputavam os títulos estaduais da modalid ade.
"Para você ter uma ideia, nos últimos cinco anos, o Santa Cruz foi campeão três vezes e agora está brigando para não cair. O nível de competitividade está muito alto e os melhores estão indo para as equipes de maior investimento", analisou.
Omar seguiu, destacando a possibilidade da criação de uma série especial, por já visualizar a chegada de mais investimentos na modalidade, podendo gerar uma disparidade com clubes de menor orçamento e assim desequilibrar as competições.
"Já temos a intenção de criar uma série especial, para colocar só as equipes de alto investimento, porque a disparidade começa a aparecer em campo, em comparação com as outras equipes de menor orçamento. A tendência é que o nível de competitividade cresça", destacou.