POLÍTICA

Campanha para divulgação da nota de R$ 200 foi mais cara do que para prevenção contra Covid-19

Propaganda sobre nova cédula, que representa 1% da circulação, custou R$ 4,4 milhões a mais que a sobre álcool em gel e máscaras

Cédulas de R$ 200,00 - Rafael Ribeiro / BCB

Nos dois anos marcados pela pandemia da Covid-19, a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo Jair Bolsonaro gastou mais com a divulgação da cédula de R$ 200 do que com propagandas sobre a prevenção ao coronavírus.

Levantamento feito pelo GLOBO com base em pagamentos da Secom em 2020 e 2021 mostra que a publicidade da nova nota foi o sexto principal investimento no período, atrás de propagandas de agenda positiva, economia de água, combate ao Aedes aegypti e da própria campanha de vacinação.

O Planalto desembolsou R$ 18,8 milhões com a divulgação na nova cédula de R$ 200. Já os anúncios relativos aos cuidados que deveriam ser tomados durante a pandemia — como uso de álcool em gel e máscaras — custaram R$ 14,4 milhões.

Após um ano e dois meses do lançamento, a cédula representa 1,11% de todas as notas em circulação no país, segundo o Sistema de Administração do Meio Circulante. É menos do que as notas de R$ 1 em circulação — cédula que deixou de ser produzida.

"Um dos fatores que explicam a baixa circulação da nota de R$ 200 é o uso de outras tecnologias. Durante esse período da Covid-19, muitas transações passaram a ser feitas de forma digital, como o Pix", disse o economista Joelson Sampaio, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Já as propagandas que pregam a prevenção à Covid representam o nono maior gasto do período e receberam R$ 4,1 milhões a menos que a publicidade com “cuidado precoce”, para onde foram R$ 18,5 milhões de 2020 a 2021. Até o fim da semana, foram registradas cerca de 609 mil mortes causadas pela doença no país. Parte desses casos poderia ter sido evitada com medidas preventivas, diz Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de Infectologia da Unesp:

"O gasto de prevenção à Covid-19 está muito baixo, inferior a estratégias como a falácia do tratamento precoce. Um cálculo feito por pesquisadores da Universidade de Pelotas mostra que seria possível evitar a morte de 400 mil pessoas se tivéssemos um discurso mais assertivo em relação à prevenção e o início da vacinação no período correto", afirmou Barbosa.

Bolsonaro costumava usar o termo “tratamento precoce” para se referir aos medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, como hidroxicloroquina e ivermectina. Na Secom, passou-se a usar o termo “cuidado precoce”, que, segundo a pasta, seria a busca por um médico antes do agravamento da doença.

A rubrica “cuidado precoce” no Orçamento financiou a contratação de influenciadores digitais para a publicação de mensagens orientando para, em casos de sintomas, solicitar um “atendimento precoce” ao médico.

A lista de gastos da Secom dá outras mostras do que é prioridade para o governo. O programa Pátria Voluntária, capitaneado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, é o décimo segundo maior gasto da pasta no período. Foram R$ 8,8 milhões, praticamente o mesmo destinado para a promoção da nova Previdência (R$ 8,8 milhões) e mais que os R$ 3,2 milhões para falar da reforma tributária. A campanha WI-FI Brasil, que mostra vídeos institucionais do governo em cada acesso dos usuários à internet, custou R$ 7 milhões.Leia também: Rosa Weber, do STF, dá 24 horas para Câmara explicar manobras na aprovação da PEC dos Precatórios

Apesar do avanço do desmatamento no governo Bolsonaro, campanhas contra as queimadas no país receberam R$ 47,6 mil — ainda assim, as florestas brasileiras são citadas em propagandas que a Secom direcionou a Estados Unidos e Inglaterra com a finalidade de melhorar a imagem do país no exterior. O Código Florestal brasileiro e a preservação da vegetação nativa são exaltados em vídeos e cartazes da rubrica “Brasil no exterior”, que soma R$ 27,9 milhões, terceiro maior pagamento.

Uma apresentação interna da secretaria justifica a campanha internacional dizendo que o Brasil passa por um momento de “posicionamento e imagem de marca prejudicada no exterior”.

Segundo o deputado Elias Vaz (PSB-GO), que solicitou acesso ao material produzido nas campanhas, houve veiculação de publicidade em telões digitais do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, com frases como “The world needs to know Brazil by Brasil" (“O mundo precisa conhecer o Brasil pelo Brasil”). Houve pagamentos para cartazes em bancas de jornais em Nova York e pontos de ônibus de Londres.

"Não faz sentido o governo gastar milhões em publicidade no exterior enquanto o comportamento do presidente é péssimo para a imagem do país", disse o deputado, que pedirá auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).

Procurada na quinta-feira, a Secom não respondeu aos pedidos do GLOBO.