Bolsonaro delega agenda política a ministros do Centrão
Após nomear Ciro Nogueira e Flávia Arruda como assessores políticos, presidente reduziu encontros com parlamentares
O entra e sai de deputados no Palácio do Planalto, tradicionais em noites de votações relevantes no Congresso Nacional, foi inexistente na última quarta-feira, quando o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios — projeto mais importante do governo, que vai permitir o Auxílio Brasil de R$ 400 mensais em 2022 — foi votado. Naquele dia, Bolsonaro esteve com apenas um deputado, Cezinha de Madureira, ligado à bancada evangélica.
De defensor do fim do toma-lá-dá-cá a aliado orgulhoso do Centrão, o presidente Jair Bolsonaro terceirizou sua articulação política. É o que indica um levantamento do GLOBO nas agendas do presidentes e dos principais ministérios do Palácio do Planalto responsáveis pela articulação política: se antes recebia quase um deputado ou senador por dia em seu gabinete, Bolsonaro agora demora, em média, três dias, para ter agendas com parlamentares.
Além do maior espaçamento entre agendas com congressistas, há menos parlamentares em contato com o presidente. Até outubro de 2019, Bolsonaro recebeu 359 congressistas, de acordo com sua agenda pública. O número vem caindo progressivamente: foi de 173 nos dez primeiros meses de 2020 e, neste ano, ficou em apenas 107.
Os dados são um retrato de um presidente que entregou, progressivamente, sua interlocução com o Congresso Nacional para o Centrão. Reforçada nos últimas dias, a postura de Bolsonaro demonstra que ele se distanciou de vez do dia-a-dia do governo. No dia 27 de outubro, por exemplo, quando a Câmara tentava votar a PEC dos Precatórios pela primeira vez — projeto-chave para o governo —, o presidente estava em Manaus, onde participou de dois eventos evangélicos e concedeu três entrevistas.
Na quarta-feira passada, decisiva para o governo com a PEC dos Precatórios, Bolsonaro também participou de um encontro com o ministro da Defesa, Braga Netto, o chanceler Carlos França e com o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos. Entre o final da tarde e o começo da noite, prestou depoimento no inquérito sobre interferência na Polícia Federal. Quando os deputados finalmente votaram a emenda, já estava há algumas horas no Palácio da Alvorada.
Isso não significa, entretanto, que o presidente perdeu a articulação com o Congresso. A realidade, entretanto, é que o papel foi assumido por outras figuras, notadamente do chamado Centrão.
"Eu nem imaginava ser deputado federal. Fui por 28 anos no PP do Ricardo Barros. Muita gente fala “ah, o Centrão”. Votaram num cara do Centrão. Tenho que conversar com o PP, com o PL", disse o presidente Bolsonaro durante evento em Ponta Grossa nesta sexta-feira.
Assessores do Planalto justificam a mudança com uma analogia: se antes o presidente negociava no varejo, conversando com deputados individualmente, agora o faz no atacado, lidando com bancadas.
O levantamento do GLOBO demonstra, entretanto, que a grande mudança foi a chegada de partidos como PP e PL nas salas adjacentes do presidente no Palácio do Planalto: Ciro Nogueira, do PP, na Casa Civil, e Flávia Arruda, do PL, na Secretaria de Governo. Os dois substituíram Luiz Eduardo Ramos, o general convocado em 2019 para negociar com os parlamentares.
Os números indicam que os ministros do Centrão realizam muitas reuniões a mais do que os militares. Na Casa Civil, por exemplo, Nogueira já teve 95 reuniões com parlamentares. No mesmo período na pasta, Luiz Eduardo Ramos teve apenas 23. Em mais de um ano. À frente do mesmo ministério, o mais importante da Esplanada, Walter Braga Netto teve 58 agendas com congressistas em quase dois anos no cargo.
"Nós temos um ministério cada vez mais redondo, vamos assim dizer. Passei uma fase da Casa Civil com um general. Era a pessoa adequada? Pela formação, não. Mas, pelas circunstâncias, era. Hoje em dia, o que nós temos lá? Temos um senador, que faz um brilhante trabalho", disse o presidente Bolsonaro em Ponta Grossa.
Na Secretaria de Governo, Flávia Arruda desde abril, já recebeu 347 congressistas. No mesmo cargo, Ramos se encontrou com 922 deputados ou senadores, mas em um período consideravelmente maior no cargo: 1 ano e 10 meses.