CPI da Chapecoense chama boliviana presa por autorizar voo para depor
Presidente da comissão, senador Jorginho Mello (PL-SC), convidou Celia Monasterio a prestar esclarecimentos no próximo dia 18, quando os trabalhos serão retomados após um ano e dez meses
A CPI da Chapecoense, que definiu nesta quarta-feira a retomada dos trabalhos, convidou a boliviana Celia Castedo Monasterio, responsável por autorizar o voo que matou 71 pessoas em 2016, para depor no próximo dia 18. A data vai marcar a volta da comissão, que está parada há cerca de um ano e dez meses desde que foi suspensa em razão da pandemia.
Celia foi presa no final de setembro pela Polícia Federal no município sul-mato-grossense de Corumbá, onde segue detida. Ela era considerada foragida da Justiça de seu país e pode ser extraditada. Segundo as autoridades, a boliviana teria fraudado o plano de voo e deixado de observar os requisitos procedimentais mínimos para que fosse aprovado. Ainda será definido se a instrutora poderá participar por videoconferência ou se a PF vai levá-la a Brasília.
Além dela, os parlamentares convidaram o presidente da holding Tokio Marine, Satoru Komiya, para prestar esclarecimentos sobre a participação da seguradora no acidente aéreo. Nos bastidores, há dúvidas sobre o comparecimento do executivo. A Tokio Marine disse que não vai se manifestar.
A presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C), Fabienne Belle, a vice-presidente Mara Paiva e o advogado Josmeyr Oliveira vão acompanhar in loco a volta da CPI no Senado.
A relatoria permanece com o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que antecipou ao GLOBO a intenção de finalizar o relatório o quanto antes. O senador Jorginho Mello (PL-SC) retorna à presidência da comissão. Foi ele o responsável por convidar a boliviana.
– Voltar aos trabalhos é fundamental para que nós possamos dar respostas às famílias que amargam por longos anos a espera de respostas e suporte. Tivemos um contratempo muito grande com a pandemia, mas o compromisso com a causa e com a memória das vítimas nunca foi deixado de lado – disse Mello
Os parlamentares já articulavam a volta da CPI, que continuará os trabalhos poucos dias antes da data em que o acidente aéreo completa cinco anos — em 29 de novembro. A intenção dos senadores é ouvir também representantes da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás sobre a relação com as seguradoras implicadas na tragédia.
— Esse retorno é muito importante por causa desse relatório final, que é uma forma de as famílias pressionarem os órgãos sobre nossas ações e a seguradora e a resseguradora a comparecerem nas audiências — disse Belle.
A solicitação pela volta da CPI foi feita verbalmente no início de outubro ao presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que delegou ao secretário-geral da Mesa no Senado, Gustavo Sabóia, a verificação da possibilidade regimental. A CPI da Chapecoense, cujo prazo era de 180 dias desde sua instalação em dezembro de 2019, foi suspensa em março do ano passado em razão da pandemia.
Representantes de familiares das vítimas do acidente se reuniram no mês passado com parlamentares e com o Itamaraty em Brasília. Nos encontros, foram feitas sugestões de encaminhamento de ações e foi firmado o compromisso de reiniciar a comissão após o fim da CPI da Covid.
Na ocasião, a presidente e a vice-presidente da AFAV-C, Fabienne Belle e Mara Paiva, se reuniram com um assessor do ministro de Relações Exteriores, Carlos França. Depois, se encontraram com os senadores Esperidião Amin (PP-SC) e Leila Barros (Cidadania-DF), além de uma assessora do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), que não pôde comparecer. Também estavam presentes o advogado da AFAV-C, Josmeyr Oliveira, e um assistente parlamentar de Amin.
No dia seguinte ao encontro, o senador Amin ligou para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para consultar sobre a situação de Celia. Na conversa, ele manifestou preocupação com a extradição à Bolívia, temendo represálias à controladora do voo. Mendes foi quem autorizou a prisão preventiva da boliviana.
Para a presidente da AFAV-C, a boliviana foi usada como "bode expiatório" pelo governo de seu país. Ela aponta que a Administração de Aeroportos e Serviços Auxiliares de Navegação Aérea da Bolívia (Aasana), responsável pela aviação civil no país, também tem que ser responsabilizada.
— Para nós, esse relatório é muito importante como suporte para nossas ações. E gostaríamos que, no caso da Celia, a atenção não fosse voltada à prisão dela. Ela é a ponta final de uma série de negligências que ocorreram. Existiu antes de tudo um seguro com uma cláusula de restrição à Colômbia — disse Belle.
Além da Aasana, os parentes das vítimas querem punições à corretora Aon, à seguradora Bisa e à resseguradora Tokio Marine Klin. As empresas constam em processo que tramita nos Estados Unidos, no qual foi estabelecida no fim do ano passado uma indenização total de R$ 4,8 bi, em cotação da época, às famílias que perderam seus entes. A decisão ocorreu em primeira instância.
O processo foi aberto no país já que as companhias têm representações locais e há trocas de e-mails dos envolvidos a respeito de compras de equipamentos e combustível em Miami. A estratégia também se deve ao fato de que os valores estabelecidos na decisão americana dificilmente são encontrados no Brasil. Apesar de algumas famílias precisarem de auxílio financeiro, as indenizações não são vista como a pauta prioritária aos familiares.
As companhias implicadas no seguro argumentam que a apólice não havia sido paga e que a aeronave não poderia ter viajado à Colômbia. Os advogados das famílias ressaltam, porém, que não houve comunicado às autoridades sobre o não pagamento, o que impediria o voo.