Animação

'Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente' desvenda a mente punk de Angeli

Cartunista tem seu processo criativo comentado e sua obra revisitada em filme de animação

"Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente" - Divulgação

Saber o que existe dentro da mente do artista que admira é uma das grandes curiosidades de um fã. Para os admiradores da obra do cartunista Angeli, o filme "Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente" satisfaz parte desse interesse. A produção em stop-motion (animação feita com massinha), que estreou na última quinta-feira (11), está em cartaz no Cine Teatro São José, em Afogados da Ingazeira, no Sertão de Pernambuco. 

César Cabral, diretor do longa-metragem, já trabalha com a obra de Angeli há algum tempo. Em 2008, realizou o curta-metragem "Dossiê Rê Bordosa", que "investiga" a morte de uma das principais personagens do cartunista nas suas tirinhas. Também dirigiu, para o Canal Brasil, a série "Angeli The Killer", que teve sua primeira temporada exibida em 2017. 

"Quando fui chamado para fazer a série, comecei a fazer algumas gravações com o Angeli e foi num desses papos que ele me falou que achava que o Bob Cuspe daria uma longa. Fiquei com isso na cabeça e passei a pensar numa história para focar muito no diálogo com a obra dele e que não fosse uma continuação do curta", conta.
 

Bob Cuspe é um dos personagens mais antigos e famosos de Angeli. Nasceu nos anos 1980, junto com a revista "Chiclete com Banana", e no filme é apresentado como uma espécie de alter ego do quadrinista paulistano. "O Bob é a representação do punk suburbano que, de certa maneira, representa um período de São Paulo. O Angeli é um cara que vem da periferia, da Zona Norte, e vivia muito esse universo", comenta.

Assim como o homem que o imaginou, o personagem envelheceu. Na animação, ele é apresentado como um velho roqueiro ranzinza, tentando sobreviver em um deserto pós-apocalíptico, que na verdade é um purgatório dentro da mente do seu autor. Pequenas criaturas mutantes do pop (representados por miniaturas do cantor Elton John) tentam matá-lo, mas ele parte em uma viagem em busca do único que pode salvá-lo: seu criador. 

Ao longo da animação, duas linhas narrativas correm em paralelo: uma documental e outra ficcional. A partir de depoimentos, um Angeli em crise criativa - devidamente transformado em stop-motion - divide detalhes sobre seu processo artístico e revisita o passado. 
 

Milhem Cortaz, Paulo Miklos, André Abujamra, Grace Gianoukas integram o time de dubladores. A cartunista Laerte faz uma participação como ela mesma. Já a voz de Angeli foi retirada de um extenso material de entrevistas concedidas ao diretor do longa, realizadas entre 2012 e 2017. "Eu queria tentar fazer algo que não ficasse estruturado numa pauta, para conseguir aprofundar um pouco mais no trabalho e na pessoa dele. Houve uma tentativa de ser mais uma conversa. Muitas vezes, a gente manipula esse material para construir uma narrativa mais ficcional, mas tudo foi pescado dos papos que tivemos", revela. 

Foram cinco anos de trabalho para fazer nascer o longa. Segundo César, houve uma aprimoração técnica em comparação com o curta e a série. "A ideia era fazer um trabalho que tivesse mais aproximação com a realidade, tanto na atuação dos personagens como na parte estética. A gente usou tecido para as roupas dos personagens, por exemplo. Também trouxemos impressora 3D para construir o lipsync (movimento das bocas dos personagens). Os bonecos tinham cerca de 100 expressões diferentes na animação", comenta. 

Como resultado do esforço da equipe envolvida, o longa acabou levando o principal prêmio da Mostra Contrechamp, no Festival de Annecy, considerada a maior premiação no ramo da animação no mundo. O diretor destaca o lugar de ascensão que a animação brasileira ocupa internacionalmente, mas teme pela falta de incentivo que vem se intensificando nos últimos anos. 

"Tivemos patrocínio da Petrobras e do BNDES, que não existem mais, além do próprio Fundo Setorial, que está em desmonte. Esse investimento público no audiovisual nos últimos 15 anos foi o que possibilitou a nossa entrada no mercado internacional. Agora, para onde vamos? Para os próximos projetos, a gente vem buscando cada vez mais parceiros de fora do Brasil. Ter vencido um festival como Annecy, certamente, é um passo para que se abram esses novos caminhos", pontua.