Entenda como a Fórmula 1 rejuvenesceu o seu público e criou uma base de fãs ainda mais engajada
Redes sociais, e-Sports e série da Netflix explicam o fenômeno que tornou a categoria mais pop e faz parte da estratégia da Liberty
Em 2017, última temporada de Felipe Massa na Fórmula 1, Helena Prado tinha apenas 16 anos, e achava chato aquela quase interminável perseguição de carros. Hoje, aos 20, ela não perde uma corrida, é fã de Max Verstappen, de 24 anos, e está aproveitando a semana do GP do Brasil para tietar pilotos e membros das equipes.
Helena foge do padrão dos brasileiros que começaram a gostar da modalidade por causa do saudoso passado de vitórias do país. Ela faz parte de uma nova geração, com muita disposição, e que mais lembra fãs de artistas pop ou de estrelas do futebol.
— Passei a vida toda ouvindo meu avô falando que não tinha mas graça depois que o Ayrton Senna morreu. No ano passado, quis saber por que tanta gente gostava e eu não. Hoje, gosto da adrenalina, da estratégia e da emoção dos pit stops — conta a estudante de direito, de 20 anos, que torce pelos pilotos mais novos. — Estou torcendo pelo Verstappen. Não que eu não goste do Hamilton, mas está tão legal essa disputa, e ele é da minha geração. Quando o Hamilton (36 anos) ganhou o primeiro título eu tinha só 7 anos.
Helena compõe o retrato de uma Fórmula 1 a cada dia mais pop e jovem. Como aponta a pesquisa mais recente realizada pela modalidade, com crescimento de 50% desse público nos Estados Unidos e aumento de quase 100% da participação feminina entre os mais de 160 mil entrevistados em 187 países em relação a 2017.
— Quando eu era adolescente, ou até mesmo quando comecei a faculdade, nunca tive companhia femininas para conversar sobre F1, hoje percebo que tem muitas gurias engajadas nas discussões e acompanhando a categoria — afirma a engenheira e blogueira curitibana Caroline Politta, de 24 anos, que vai pela primeira vez a Interlagos.
Mas como a categoria que, há algum tempo atrás era um ambiente dominado por tiozões ricos e apaixonados por carrões e rolex, abriu espaço para jovens que correm atrás de seus ídolos e os defendem com unhas e dentes nas discussões virtuais? Como qualquer mudança cultural ou estratégia de negócio, não há uma única resposta.
Um bom ponto de partida para entender cenas de tietagem na porta do hotel de Sebastian Vettel, da Aston Martin, e na chegada de Charles Leclerc, da Ferrari, ao Brasil é a mudança de mãos da Fórmula 1 de Bernie Ecclestone para o conglomerado de telecomunicações Liberty Media, dos Estados Unidos, em 2016. Com uma visão de negócios tipicamente americana voltada para o entretenimento, os novos donos tinham, desde o início, o rejuvenescimento do público como meta.
— A gestão anterior, do Ecclestone e Max Mosley, teve todos os méritos de fazer a Fórmula 1 crescer e se tornar um esporte global nos anos 80/90, inclusive mais profissional. Mas era uma gestão que ficou com a cabeça parada naquelas décadas. Em 2014, o Ecclestone deu uma entrevista dizendo que a F1 não precisava de jovens fãs, pois os jovens não compram rolex e combatia e desprezava as redes sociais. Isso tudo mudou com a Liberty — diz o jornalista especializado em automobilismo Fábio Seixas.
Algumas estratégias deram frutos na velocidade da internet. A começar com a criação do F1 e-Sports Series, um campeonato virtual, com participação das escuderias e pilotos especializados em games de automobilismo. Alguns nomes do grid atual e de outras categorias também participaram de corridas em 2020. Pela pesquisa divulgada em outubro, 80% dos fãs entre 16 e 24 anos jogaram F1 no ano passado.
Dentro do combo de motivos para o frisson da juventude com a F1, não pode faltar o sucesso da Netflix “Dirigir para viver”, lançado em 2019, que teve total autorização da Liberty. Já com a quarta temporada garantida para o começo de 2022, a produção, que mostra os bastidores da categoria, humanizou os personagens.
Criadora do fã clube Pierre Gasly Brasil, Taciane Beatriz, 24 anos, é uma das convertidas durante a pandemia influenciada pela série.
— Quando eu vi estava completamente envolvida pelo esporte, pelos pilotos e toda a dinâmica. Com certeza esse público mais jovem veio por causa da série. É o que tem de diferente de todas as outras temporadas da Fórmula 1 — afirma a médica veterinária, que estará no autódromo de Interlagos nos três dias de evento.
É nas redes sociais que esse movimento se consolida. O público não se limita a ver os GPs e assistir à série. Há um forte engajamento, principalmente pelo Twitter, a todos os temas relativos à categoria. E, como em outras fanbase, as rixas rolam soltas. Num ano de disputas acirradas entre Verstappen e Hamilton, os fãs tomaram o partido de seus ídolos.
E o holandês da Red Bull saiu na frente como piloto preferido. Logo atrás vem Lando Norris (21 anos), da McLaren, o predileto das meninas. Ele se surpreendeu com o assédio dos fãs durante o jogo do Palmeiras, na última quarta-feira.
A icônica equipe britânica, inclusive, é a mais popular da F1, segundo a pesquisa. Superando a tradicionalíssima Ferrari, apenas em terceiro no gosto dos fãs. Não à toa, são os pilotos já nascidos na era digital e equipes que souberam se adaptar à linguagem da nova geração. Algo visto em outros negócios, como os bancos.
Agora, o próximo passo é tomar de vez também as arquibancadas. Gradualmente, a mudança já vem ocorrendo. Em Interlagos, os organizadores estimam uma queda de cinco anos na média de idade em relação à corrida de 2019.
Por isso, os promotores brasileiros investem em "mimos" para a faixa etária mais jovem. O exemplo mais evidente é a ampliação do número de simuladores de corrida, basicamente videogames (bem) mais realistas. Há inclusive um estande específico no paddock de Interlagos chamado de Game Experience. O evento também terá como atração o duo australiano de música eletrônica Nervo, formado pelas irmãs gêmeas Olivia e Miriam, que farão um show de um balão de ar sobre o autódromo.
— Há um claro rejuvenescimento do público da F1. Eu mesmo tenho percebido isso. O Luciano Huck liga e diz que os filhos dele estão loucos para ir na Fórmula 1. A amiga da minha filha de 13 anos veio ao autódromo, isso não existia. Antigamente, o pai arrastava o filho para a corrida. Hoje é o filho que arrasta o pai — diz Alan Adler, CEO do GP de São Paulo.