Arte

Cultura nas mídias digitais: novas formas de difusão

Plataformas usadas em "divulgações de guerrilha" democratizam o acesso à cultura e a fruição de produtores e artistas independentes

Plataformas digitais são uma alternativa para divulgação de eventos e artistas - Arthur de Souza / Folha de Pernambuco

Assim como a forma de produzir arte mudou e se apropriou, ao longo dos anos, de novas tecnologias e suportes, também a divulgação desses produtos culturais tem passado por uma profunda transformação, sobretudo com o fortalecimento das redes sociais e aplicativos de mensagens. A Folha de Pernambuco conversou com produtores culturais e artistas sobre a revolução trazida pelas plataformas digitais.

As primeiras redes sociais foram criadas nos Estados Unidos, no final dos anos de 1990. No Brasil, o Orkut foi o pioneiro, a partir de 2004, apesar de programas de trocas de mensagens como o IRC e ICQ também marcarem o início das interações digitais no País. Depois disso, o Facebook, Instagram e Twitter logo se estabeleceram por aqui. Em meio a essa revolução digital, artistas e produtores culturais passaram a contar com essas novas 'armas' para divulgar seus shows, eventos e lançamentos.

Público e crítica
Se antes das redes sociais a formação de público passava quase que exclusivamente pelos críticos culturais e em veículos tradicionais como jornal, rádio e televisão, o advento dessas novas plataformas reconfigurou esse cenário. “Hoje, o público consumidor é quem faz seu próprio filtro, a partir do momento que decide quem quer seguir, qual música vai ouvir ou qual filme vai assistir. É ele quem diz se aquele artista está fazendo sucesso ou não. Se sua carreira vai crescer ou não”, avalia o jornalista e cineasta Tiago Martins Rêgo, criador do grupo de WhatsApp Agenda Cultural RMR.



'Zap' exclusivo de cultura

O grupo foi criado com o objetivo de compartilhar shows, filmes, oficinas e eventos ligados à cultura do Recife e Região Metropolitana. “Aos poucos, o grupo foi recebendo amigos de amigos e hoje conta com quase 150 integrantes, a maioria fixos”, conta. “Hoje, o grupo é minha principal fonte de informações de cultura. A Agenda Cultural é o nosso local de troca mais intenso e bacana”, revela Tiago. No grupo, há vários administradores e a principal regra é apenas trocar informações com foco em eventos culturais.

Cabueta Cultural
Emerson Braga, turismólogo, produtor cultural e coordenador de Comunicação, um dos participantes do grupo, é criador do Cabueta Cultural, ferramenta de divugação paralela de agendas e shows . “O Cabueta Cultural nasceu da necessidade de haver um canal que realmente falasse sobre o cenário noturno de Pernambuco, independente do "hype"que muitas vezes não corresponde a realidade”, explica Emerson.  

“Como os meios de comunicação que dedicam algum espaço pra falar de noite são poucos e, em sua maioria, tem amarras comerciais com os estabelecimentos, patrocinadores, etc.  O que normalmente se vê por aí ou é uma réplica de releases ou visões imparciais, sem opinião e de pessoas que não vivem aquilo. E eu tava cansado de cair em cilada ou ouvir alguém falar sobre em nossa cidade ‘não tem o que fazer’. Realidade controversa quando já falei em um único dia sobre mais de 50 eventos do cenário alternativo e independente”, argumenta Braga.



Artistas nas redes
A cantora e compositora Mayra Clara, outra participante do grupo, destaca a importância dessas ferramentas. “As plataformas digitais de música são a nossa loja. Antes tínhamos as lojas físicas de discos, hoje elas são, majoritariamente, digitais. Mas, não basta apenas disponibilizar nossos trabalhos nessas lojas, é necessário levar o público para consumir nossa produção. Daí que entra também as demais redes sociais que servem para que possamos manter nosso diálogo, contato, comunicação mais próxima com o público”, aponta.

“Nessas redes nós também falamos, mostramos as produções artísticas e uma rede ajuda a alimentar a outra de certa forma. Elas também criam possibilidades de que nosso trabalho seja conhecido por mais pessoas e possibilita a venda de show. . Isso tudo em teoria pode parecer simples, mas, na prática demanda muito esforço, dedicação, planejamento e horas de trabalho nos bastidores que só a gente sabe como é e o trabalho gigante que dá. Tudo para realizar nossa missão artística, conectar pessoas, proporcionar histórias e memórias afetivas”, conclui Mayra.

Do impresso ao digital
Criada em 1995, a Agenda Cultural do Recife fez parte do cotidiano dos equipamentos culturais da cidade. Era distribuída inicialmente como um catálogo impresso e podia ser encontrada nos cinemas, museus, teatros e outros espaços culturais. Lá constava uma lista com os principais eventos do mês, nas diversas linguagens artísticas. O jornalista, criador e editor da publicação, Manoel Constantino, comentou sobre a migração da publicação física para a digital e aponta para a repercussão que a Agenda continua tendo junto ao público. “Hoje estamos só na plataforma digital e, no nosso caso, é uma conquista ter o blog com uma média de 200 mil acessos por mês, abrangendo todas as expressões culturais", comemora.

"Há 26 anos, a Agenda Cultural surgiu impressa, em um momento importante do Recife. Havia naquela época a reabertura do Teatro do Parque. Há uma diferença muito grande daquele período em relação a hoje. São dois parâmetros. Eu creio ainda que a agenda impressa sempre vai ser uma ferramenta de divulgação dos artistas do Recife e em Pernambuco, porque a pessoa levava agenda no seu bolso, na sua sacola. Então, permanentemente, durante um mês, você saberia onde encontrar os eventos culturais", recorda.

Sob argumento de contenção de custos diante da crise financeira, a Prefeitura do Recife, na gestão do então prefeito Geraldo Julio, encerrou a publicação fisica da Agenda Cultural, que passou a ser veiculada apenas no digital. "Quando a agenda impressa foi cortada do orçamento nós já estávamos fazendo o blog da Agenda do Recife, que também estava tendo um acesso muito grande. Então são dois parâmetros. A revista impressa até hoje vai encontrar qualquer pessoa mas, em não existindo, a Agenda enquanto blog está triplicando o acesso, porque vai para o mundo inteiro, não fica restrito ao universo do Recife", frisa Manoel, que ainda acredita que a publicação física era uma ferramenta importante de divulgação dos artistas da cidade.

"Acho que os artistas, desde quando surgiu a Agenda Cultural do Recife, procuracam muito e mandavam muitas matérias e levavam muitas fotos de espetáculos e se sentiam como um espaço dele. A Agenda Cultural do Recife virou um espaço dos artistas do Recife, essa era a ideia e continua até hoje, independente de ser impressa ou não", afirma.

"Quando nós perdemos a agenda impressa e começamos a apostar mais no blog da Agenda, hoje a gente produz seis, sete matérias por dias e agora passamos a receber material do Brasil inteiro e não só do Recife, por conta do acesso. A Agenda hoje é do Recife mas recebe também projetos de divulgação de artistas de outros estados. E isso é salutar porque termina se transformando numa troca. A gente sabe que tem um artista de São Paulo que é ótimo e, ao mesmo tempo, ele sabe que um artista aqui está lançando um EP que é lindo". conta Manoel Constantino.