Enem

Músicas na prova do Enem 'veiculam o coração do Brasil', diz especialista

Confira a história por trás das canções 'Admirável gado novo', de Zé Ramalho, 'Comportamento geral' e outras presentes no exame aplicado no último domingo(21)

Prova Enem - Foto: Arquivo/Agência Brasil

Canções criadas respectivamente por Chico Buarque e João Bosco, Zé Ramalho e Gonzaguinha — todas embaladas por contudentes críticas sociais —, "Sinhá", "Admirável Gado Novo" e "Comportamento geral" ganharam novos olhares (e escutas) depois que foram utilizadas como base em questões do Enem, aplicado no último domingo (12).

Para especialistas, o fato demonstra que a prova não sustentou "a cara do governo", como havia prometido Jair Bolsonaro (sem partido). A presença de letras consagradas, escritas por artistas que se opõem ao atual governo, lança, como de praxe, nova luz para pérolas da MPB que traduzem momentos importantes na história do país.

— Não se pode aprisionar em censura versos de Chico Buarque, Gonzaguinha, sertanejos ou quem quer que seja, porque essas músicas veiculam o coração do Brasil. Interromper a veiculação dessas obras é fazer com o que o coração do país precise de marca-passo — afirma Ricardo Cravo Albin, um dos maiores pesquisadores da música brasileira. — Não há a menor dúvida de que compositores que falam ao coração do povo, e que contribuem para o entendimento do que somos, precisam e devem ser estimulados a integrar esses espaços nos bancos escolares.

Criada em 1979, durante a ditadura militar, a letra escrita por Zé Ramalho aborda a passividade da sociedade brasileira em tal contexto histórico, tomando como inspiração o livro “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley.

Sucesso na trilha sonora da novela “O rei do gado” (1996), a composição seria relançada, neste ano, num dueto inédito com Sérgio Reis. Depois de o o colega sertanejo convocar atos antidemocráticos em defesa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o dia 7 de setembro, Zé Ramalho proibiu a utilização da música. “A gravação perdeu o sentido”, justificou ele, à época.

Eleita a Melhor Canção de 2012 na 23ª edição do Prêmio da Música Brasileira, a composição de Chico Buarque e João Bosco já foi definida pelos próprios como um “afro-samba-milonga”.

Última faixa do álbum “Chico” (2011), a letra apresenta o discurso de um homem escravizado, injustamente acusado de ter olhado a patroa nua se banhar num rio, e que tenta convencer o senhor de engenho para que não o torture.

A última estrofe da obra, escrita em métrica diferente das demais, surpreende ao trazer à tona a voz do próprio Chico, “cantor com voz do Pelourinho e ares de senhor”.

Regravada recentemente por nomes como Elza Soares, Ney Matrogrosso e Xênia França, a composição escrita por Gonzaguinha em 1972 foi um dos primeiros grandes sucessos do cantor.

Alvo de censura pela ditadura militar, o autor de clássicos como "O que é, o que é?" e "Lindo lago do amor" viu o LP homônimo ser destruído pelos jurados do programa de Flávio Cavalcanti após executar a canção ao vivo na TV. Era uma "audácia" tecer críticas tão pesadas ao governo no auge da ditadura militar, justificaram os avaliadores.

O fato, no entanto, não só fez disparar as vendas do disco, como tornou perene a obra, que até hoje se mostra atual, e traz versos irônicos como: "Você deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado" ou "Você deve notar que não tem mais tutu e dizer que não está preocupado".