Demissão

Pelo menos 52 pesquisadores da Capes que atuam em avaliação renunciam coletivamente

Os cientistas acusam a Capes de não respaldar o trabalho de avaliação desempenhado por eles e criticam a presidência da instituição

Sede da Capes - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Cinquenta e dois pesquisadores da área de Matemática, Probabilidade e Estatística (Mape), e da área de Física da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) renunciaram coletivamente aos cargos.

Em duas cartas, uma da semana passada e outra desta segunda-feira (29), os cientistas acusam a Capes de não respaldar o trabalho de avaliação desempenhado por eles e criticam a presidência da instituição por não defender a Avaliação Quadrienal da pós-graduação, suspensa por decisão judicial em setembro. Com a saída, os novos chefes das áreas terão de montar suas equipes.

Formalmente, apenas os seis coordenadores das áreas têm mandato de quatro anos. Os outros 46 pesquisadores, que atuam como consultores ad hoc na avaliação quadrienal assessorando os coordenadores enquanto dura o processo, também saem de suas funções. Desses assessores, 28 são da Matemática e 18 da Física.

A carta da Matemática cita que a instituição tem alterado parâmetros sem consultar as áreas responsáveis. Os pesquisadores afirmam que foram demandados a elaborar pareceres sobre expansão de programas de pós via ensino à distância com rapidez. Segundo eles, as decisões da Presidência e da Diretoria de Avaliação (DAV) da Capes têm pego os pesquisadores "de surpresa" e causam prejuízos ao trabalho.
 

Em um outro ofício enviado à Presidência, os coordenadores da área de Astronomia e Física também mencionam "corrida desenfreada" para atender a um calendário de ajuste em documentos relacionados à Educação à Distância. Eles citam ainda "pressão" para dar celeridade  ao processo. A carta dos pesquisadores da física reafiirma essas motivações expressas no ofício enviado pelos coordenados.

Em setembro, a Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou a suspensão dos processos de avaliação de cursos de pós-graduação feitos pela Capes sob argumento de que a instituição não poderia aplicar retroativamente mudanças nos critérios avaliativos. A suspensão do procedimento, que é responsável por atribuir nota aos programas de mestrado e doutorado no país, gerou reação na área científica.

"Assim como diversos colegas, acreditamos que a Capes não tem se esmerado na defesa da sua forma de avaliação. Isto ficou patente nas várias manifestações da presidência e contrasta fortemente com os posicionamentos favoráveis à retomada da avaliação vindos de diversas entidades, desde a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) até a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados",  diz o documento da Matemática qual O GLOBO teve acesso, acrescentando:

"Chama-nos a atenção que a recente tentativa de suspensão da liminar tenha sido apresentada pela CAPES sem qualquer urgência, apenas depois de dois meses. Esta, inclusive, foi uma das justificativas para o indeferimento do efeito suspensivo."

O pesquisadores afirmam que consideram "quase impossível" a retomada da avaliação num futuro próximo. Segundo eles, caso haja retomada, não é garantida que a análise "atenderá aos padrões de qualidade que a área preconiza".

"O que vimos é que a presidência da Capes parece não querer que a avaliação vá para frente. A gente não viu defesa taxativa nem na Justiça, nem nos meios de comunicação, nem no Congresso. Foram dadas amplas oportunidades para defesa e a Capes não quis", disse ao GLOBO o coordenador Roberto Imbuzeiro, que assina a carta. "A gente perguntou se os mandatos seriam prorrogados, a presidência não fez nenhuma menção de prorrogar. A gente está sem função e se sentindo inclusive deprezados pela agência".

De acordo com os signatários da carta, somente após apresentar um novo edital de Apresentação de Propostas de Cursos Novos (APCN), a Capes discutiu o tema com os pesquisadores. Na ocasião, pediu que fossem feitas considerações sobre cursos de pós em Ensino à Distância em poucos dias.

"Na discussão sobre a APCN, a presidência da CAPES também trouxe à baila o assunto de Ensino à Distância (EaD). Fomos instados a escrever novos documentos a respeito em um prazo de dois dias úteis, depois estendidos em mais uma semana. No entanto, estabelecer parâmetros para a expansão com qualidade do EaD não é tarefa para uns poucos dias de trabalho", diz o texto.

"A gente não vê com bons olhos essa expansão, ainda mais feita a toque de caixa, parece que o interessse é realmente ter programas de baixa qualidade para favorecer o máximo possível de instituições", criticou Imbuzeiro.

Segundo ele, atualmente há programas de pós-graduação semipresenciais na área de Matemática. Mas defende que a discussão de expansão seja feita de maneira cuidadosa.

Durante participação em um painel pelo dia em Defesa da Pós-graduação, nesta segunda-feira, a presidente da Capes, Cláudia Toledo, afirmou que a continuidade da avaliação é um compromisso de sua gestão.

"Para deixar muito claro, o compromisso com a continuidade da avaliação foi meu primeiro compromisso ao assumir a presidência da Capes em abril. É um compromisso indeclinável a defesa com unhas e dentes, com sangue nos olhos, a respeito da continuidade da avaliação como um elemento de aperfeiçoamento permanente da nossa atuação no sistema nacional de pós-graduação", afirmou Toledo.

Segundo a presidente, o processo será pautado na segunda instância no dia 2 de dezembro. A Advocacia Geral da União se reuniu com o desembargador responsável pelo tema para pedir que haja celeridade no processo.

"Os mandatos estão vigentes e pelo princípio do respeito aos mandatos quero crer que tenhamos que reunir esforços pela retomada da avaliação sem trazer para nosso cenário político e da ciência nenhuma instabilidade em relação a que todos nós estamos envolvidos no interesse público, que significa lutar pela avaliação", disse a presidente.

Toledo afirmou que ainda há "pequeno fôlego"para tratar do tema já que os mandatos ainda estão vigentes. Ela também defendeu que o tema seja tratado por canais institucionais e não por "cartas de críticas".

"Vamos colhendo fundamentações e justificativas nesse sentido. Elas não precisam ser por cartas de críticas ou cartas abertas. Acho que podem ser pelos canais abertos e diretos das sociedades de representação e da presidência, e também do Conselho Superior da Capes".