PF analisa material apreendido no escritório dos advogados do autor da facada em Bolsonaro
Polícia quer saber se o defensor de Adélio Bispo foi contratado por terceiros
A Polícia Federal começou analisar o material apreendido no escritório dos advogados que defendem Adélio Bispo, preso há três anos por desferir uma facada contra o então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro, durante a campanha de 2018.
Os policiais se debruçaram sobre trocas de mensagens, ligações telefônicas e eventuais e-mails encaminhados ou recebidos a partir do celular do advogado criminalista Zanone Manuel de Oliveira, responsável pela defesa de Adélio.
A PF também esquadrinha as imagens do circuito de segurança do escritório do criminalista, além de seus dados bancários.
“A princípio, a gente recebeu o inquérito e estamos olhando o material que foi apreendido com o advogado. O que estava suspenso era a análise do telefone dele. Aí pode ter tudo lá dentro”, informou ao Globo o delegado Rodrigo Morais, que conduz a investigação.
Segundo Morais, não há prazo para a finalização da análise do material, que está em posse da PF desde o fim de 2018, mas teve sua verificação suspensa por uma decisão liminar do desembargador Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
Aberto para investigar o atentado contra o presidente Jair Bolsonaro, até hoje o inquérito não identificou qualquer elemento para sustentar a tese de que Adélio Bispo de Oliveira, autor do crime, tenha agido com a ajuda ou por ordem de outras pessoas, como costuma especular Bolsonaro.
A conclusão da Polícia Federal, de acordo com o que foi apurado até então, é a de que Adélio atuou sozinho.
Diversas provas embasam tal conclusão.
Os policiais já analisaram milhares de imagens e mensagens, assim como dados telefônicos e bancários dos suspeitos.
No começo do mês, uma decisão do TRF-1 liberou a continuidade das investigações. Antes disso, a PF já tinha concluído duas vezes que Adélio agiu por conta própria em setembro de 2018, quando atacou o então candidato a presidente durante um evento de campanha em Juiz de Fora (MG).
Faltava apenas quebrar o sigilo bancário do advogado Zanone, o que foi possível após a determinação do TRF-1.
A polícia quer saber se ele foi contratado por um terceiro ou se resolveu assumir o caso atraído pela exposição midiática que teria.
A PF destacou na investigação que "de imediato surgiram várias postagens nas redes sociais apontando outros manifestantes como coautores do crime", mas ressaltou que "referidas hipóteses não se confirmaram".
De acordo com a Polícia, algumas dessas pessoas, alvo de acusações infundadas na internet, foram espontaneamente prestar esclarecimentos e registrar ocorrência, uma vez que passaram a ser insultados, ofendidos e ameaçados nas redes.
Entre os "suspeitos" da internet, havia até mesmo pessoas que disseram ter ido ao ato político por serem apoiadoras de Bolsonaro.
Uma mulher que aparecia nas fotos perto do então candidato foi confundida com uma outra que, no dia do atentado, estava em Florianópolis, a mais de mil quilômetros de distância de Juiz de Fora.
Durante a investigação, foi constatada a insanidade mental de Adélio. Em depoimento que prestou em agosto de 2019, porém, ele próprio disse que "nunca concordou com a tese de defesa de seu advogado, que alegou sua insanidade mental" e que "é réu confesso e gostaria de ter sido tratado como tal somente".
A PF também periciou a faca usada por Adélio e constatou que "é dotada de lâmina afiada e ponta, sendo eficaz para causar feridas incisas e pérfuro-incisas, além de possuir cabo de plástico, eficaz para causar feridas contusas". Estimou até mesmo seu valor de mercado: R$7.
Ao Globo, o advogado Zanone Manuel de Oliveira disse que a OAB vai recorrer da decisão que liberou acesso ao conteúdo do seu celular.
“Quem está pagando, e o que o cliente conversa com advogado, são coisas a que o Estado não deve ter acesso. Essa cláusula de confidencialidade deve ser preservada. É um precedente perigoso não só contra um advogado em si, mas contra a democracia”, destacou.
Já o advogado Fernando Magalhães, convidado por Zanone para compor a defesa, disse ao Globo que "não tem conhecimento" de quem, na origem, financia o seu trabalho nesse caso.
“Esse é o cerne da questão. Mas, lembremos: diversas pessoas patrocinam causas, não somente as pessoas interessadas. E muitas pessoas podem ter se compadecido com o ocorrido com ele e, por isso, resolvido patrocinar uma defesa digna, que, diga-se de passagem, foi exitosa”, destacou.
Magalhães completou: “Acredite se quiser, tenho vontade zero te ter essa informação (de quem pagou pela defesa de Adélio) porque eu não quero misturar as coisas. Eu só saí de casa para trabalhar naquele dia, mais nada. Eu não tenho como me misturar a isso porque eu não sou o contratado direto, o primeiro. Eu fui agraciado com o chamado de um colega, o que é muito comum na nossa área em casos de maior repercussão ou maior complexidade como este.”
O advogado ainda classificou como “quebra indevida de sigilo” a decisão judicial que liberou a análise dos dados do seu colega.”
“Se os órgãos de investigação, dentro do procedimento legal, não conseguiram concluir por fonte pagadora, é legítimo que a gente comece a descumprir o direito, praticando, ao meu ver, um crime?”, questionou.