A arte do luthier: conheça o universo artesanal de fabricação de instrumentos
Conheça mais sobre esse ofício e seus processos artesanais de construção
Da madeira bruta até chegar ao instrumento musical pronto, há um minucioso trabalho que envolve dias de dedicação de um profissional ainda pouco conhecido do grande público: o luthier. A Folha de Pernambuco reuniu informações e experiências em uma série especial sobre esse ofício que segue contribuindo para elevar a qualidade de concertos e shows, afinal, não haveria música sem os fabricantes de instrumentos.
Luthier é uma palavra de origem francesa que significa fabricante de alaúde (luth), instrumento que já era usado por civilizações no Egito, Grécia, Roma, Turquia, entre outras da Idade Antiga. Estátuas tocando tanburs (Tanbur, Tanbūr, Tanbura, Tambur, Tambura ou Tanboor eram instrumentos de cordas originários da Mesopotâmia, Ásia Meridional ou Ásia Central), na região de Susa, Elan, atual Irã, datadas de 2000 a 1500 A.C., atestam a ancestralidade milenar da arte de construir instrumentos, que remonta às mais primitivas sociedades.
Com o passar do tempo, a palavra luthier passou a designar a profissão de quem conserta ou constrói um instrumento musical, contudo, os mais eruditos associam o termo apenas aos que fabricam artesanalmente instrumentos de corda. Para detalhar melhor o ofício, nessa série de reportagens reunimos depoimentos de luthiers com atuação destacada em Pernambuco: Cláudio Rabeca, Guga Amorim e o professor do curso de luteria da Orquestra Criança Cidadã (OCC), Carlos Alberto Gomes Filho.
De rabequeiro a construtor de rabecas
Antes de se radicar em Pernambuco, o potiguar Cláudio Rabeca trabalhava com construção civil no Pará. De lá seguiu para Florianópolis, onde montou sua primeiro grupo de Forró, em 1999. Foi nessa época que descobriu o som da rabeca ouvindo a banda pernambucana Mestre Ambrósio.
“Ali eu me apaixonei pela rabeca e conheci também o maracatu de baque virado. Aí, quando eu vim para Pernambuco, cheguei com esses dois focos: aprender a tocar rabeca e tocar numa nação de maracatu que foi o Estrela Brilhante, onde tudo começou”, lembra Cláudio. Ele passou então a fazer aulas de rabeca com Mestre Salustiano e tocou 11 anos no Maracatu Estrela Brilhante.
Em 2004, Cláudio ingressou no Cavalo Marinho Estrela de Ouro, de Condado, do Mestre Biu Alexandre, onde há 17 anos segue tocando. Foi nessa época que passou a ser chamado com o nome do instrumento que mudaria sua vida. Nascia ali Cláudio Rabeca.
Depois de consolidar sua carreira de rabequeiro, em 2015, Cláudio viu uma divulgação de um curso de construção de rabeca, em João pessoa e logo se interessou. “Era um ano de poucos shows e dificuldade. A cultura estava começando o desmanche, após o golpe. Estava numa crise e vi uma oportunidade. Aí fiz esse investimento", rememora.
"Era gratuito, porém eu tive que investir para ir a João pessoa. Uns cinco a seis meses de aula com o rabequeiro João Nicodemos. O curso era para aprender o jeito dele fazer rabeca, que hoje é bem diferente do jeito que eu construo. Mas serviu muito para perder o medo de entrar na madeira, de saber usar as ferramentas e saber que eu tinha a possibilidade de construir uma rabeca”, explica Cláudio.
“Dentro do universo da rabeca, algumas pessoas usam o termo luthier e outras chamam de artesão ou construtor de rabeca. Eu uso mais construtor, mas às vezes chamo luthier”, diz.
“Antes de eu fazer o curso eu achava quase que impossível pegar um pedaço de pau bruto e transformar em um instrumento. Mas perdi esse medo e vi que era possível, que eu tinha habilidades manuais que são muito necessárias. Tem um trabalho fino manual, de desenho, de planejamento, conhecimento de som, de acústica e de timbre de instrumento, tudo isso ajuda”.
Materiais e processo de fabricação
As madeiras que Cláudio mais usa para confeccionar suas rabecas são cedro e praíba. “Primeira coisa que a gente tem que fazer é desenhar e pensar como vai ser a rabeca. Criar os moldes tanto do corpo quanto do braço, os “efes” ou “cês”, os espelhos. Tudo isso tem que ser feito com desenho e geometria. Depois disso, a gente vem para as madeiras. Pegamos as madeiras brutas que viram pranchas ou tábuas, que vão virar o tampo e o fundo do instrumento, que ficam colados em uma forma para receber as laterais do instrumento, para depois receber o tampo e depois o braço”, detalha.
“Por fim, tiramos da forma, colamos o braço até fechar o corpo do instrumento para fazer as peças menores, que são o estandarte, o espelho e a cravelha para afinação, até montar, passar a corda, criar o arco, passar o breu na corda e depois poder tocar”, explica fazendo parecer simples um processo minucioso que leva dias para ser concluído. Antes, sem o maquinário e com ferramentas rústicas, Cláudio passava quase um mês para fazer uma rabeca. Hoje, trabalhando oito horas por dia, ele termina um instrumento em oito a dez dias.
As cinco cordas e o desapego
Cláudio Rabeca foi um dos primeiros rabequeiros a adaptar a sua rabeca com cinco cordas. “Fabriquei com cinco cordas por causa da extensão. Para ter uma nota mais aguda pela necessidade do repertório. Eu comecei a fazer show de frevo e tocar choro e como a rabeca a gente toca no peito, fica muito preso a uma primeira posição. Por isso eu não conseguia atingir notas agudas. Aí eu coloquei uma quinta corda mais aguda para atingir essas notas”, conta.
“Dá um certo orgulho de tocar um instrumento que você próprio constrói e me abre a possibilidade e diminui o meu apego pelo instrumento. É muito louco isso, mas eu já vendi rabeca que fiz e estava tocando só porque sabia que podia fazer outra igualzinha ou melhor”, brinca.
Hoje, a vida de Cláudio é inteiramente dedicada a esse instrumento que aprendeu a amar, tocar e construir. “São três ramos que são meu ganha pão: meu trabalho e minha vida e todos com a rabeca no meio: a construção as aulas de rabeca e os shows.
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