Solidariedade

O caminho das Cartinhas de Natal: veja como se tornar um padrinho

Projetos promovem a adoção de cartas com pedidos de Natal escritas por crianças

Crianças mantêm a tradição de escrever cartinhas para o Papai Noel - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

“Querido Papai Noel”. É assim, com essas três palavras, que costuma iniciar o sonho de milhares de crianças. A proximidade do Natal, celebrado no dia 25 de dezembro, faz renascer a esperança e transporta os pequenos para um universo mágico e lúdico, muitas vezes, inclusive, contrapondo-se a dificuldades que cercam a sua rotina ou à realidade ao redor. Foi assim, com essas três palavras, que Lindalva Yasmin, uma menina que gosta muito de estudar, começou a contar sua história e seu desejo de Natal em uma das milhares de cartas recebidas este ano pela campanha “Papai Noel dos Correios”.

Na folha de papel de caderno com listras rosas, a pequena revela que gostaria de ganhar um Kit Maquiagem ou um tênis de número 36 e que ficaria muito agradecida se o Papai Noel a ajudasse a realizar o seu sonho, já que a mãe não teria condições de comprar pois o lixão em que trabalhava fechou.

Cartinhas emocionantes chegam aos Correios - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco 

De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), 20 lixões foram desativados no Brasil de março a junho deste ano, mas ainda existem no País 2.612 em operação, sendo a maior parte, 1.426, localizada no Nordeste. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou, em 2013, que cerca de 400 mil pessoas dependiam de atividades em lixões para sobreviver.

A cartinha de Lindalva e de outras milhares de crianças estão à espera de um padrinho. Nesta época do ano, muitas instituições promovem campanhas solidárias que incluem, por exemplo, arrecadação de alimentos e roupas, montagem de cestas básicas e doação de brinquedos. E também há os projetos que atuam especificamente com a realização de ações voltadas para as cartinhas de Natal. É o caso da campanha “Papai Noel dos Correios”, que ao longo dos últimos 32 anos já possibilitou a adoção de aproximadamente 6 milhões de cartas em todo o Brasil.

 

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A coordenadora regional da campanha em Pernambuco, Daniela Machado, explica que os primeiros passos da ação se deram em outubro. “Tudo começa antes mesmo de lançar a campanha, quando a gente, inclusive, entra em contato com secretarias de Educação do Estado para saber do interesse em participar já que a ideia é incentivar a escrita também”, comentou.

Os correios recebem milhares de cartinhas anualmente - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco 

Puderam participar da campanha, escrevendo cartinhas até o último dia 30 de novembro, crianças em situação de vulnerabilidade social, crianças de até 10 anos de idade, crianças com deficiência (PcD), independentemente de idade, e crianças da rede pública de ensino, até o 5º ano do Ensino Fundamental, de escolas escolhidas pelas secretaria de Educação estadual ou municipal. 

Como a campanha este ano concentra-se na plataforma on-line “Blog do Noel”, disponível no endereço eletrônico blognoel.correios.com.br, a maioria das cartas foram fotografadas por pais ou responsáveis, ou ainda por professores de escolas públicas participantes, e cadastradas no sistema disponibilizado pela estatal. Apenas cartinhas físicas de pessoas que não sabiam do novo método e procuraram a agência central dos Correios, localizada na Avenida Guararapes, no bairro de Santo Antônio, no centro do Recife, ainda estão disponíveis presencialmente.       

Agora, as pessoas interessadas em adotar uma cartinha têm até o dia 10 deste mês para acessar o “Blog do Noel”, escolher a carta e tornar-se um padrinho da campanha. A entrega dos presentes deve ocorrer até o dia 15 de dezembro, em uma das agências que funcionam como ponto de coleta no Estado (veja as opções no infográfico). 


O Papai Noel dos Correios

O Papai Noel dos Correios atua no projeto há vários anos - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

Há oito anos como Papai Noel dos Correios, Carlos Marques comenta que o sentimento de esperança presente na época natalina é o que motiva a ação. Ele destaca que muitos funcionários do órgão atuam de forma voluntária, organizando as demandas, preparando e embalando presentes, e intermediando as etapas entre o recebimento das cartinhas até a entrega dos presentes na casa onde a criança mora ou nas instituições participantes. Também reforçou, ainda, o pedido para que mais pessoas adotem as cartas disponíveis. “Estamos precisando muito de padrinhos porque são milhares de cartinhas que estão lá no blog aguardando um padrinho para realizar esse sonho, porque são os padrinhos que tiram esse sonho do papel”, frisou.
 
Com quase 10 anos como Bom Velhinho mas há mais de 20 atuando no projeto, Marques recorda de histórias que lhe marcaram até hoje. “Certa vez, o Papai Noel foi fazer uma entrega em uma escola em um distrito de Bezerros e nunca as crianças dessa escola tinham visto um Papai Noel. Aí, quando o Papai Noel chegou na escola com o sininho foi aquela alegria. E, por coincidência, os pedidos eram tão simples, era bola de gude, era pipa, era bola de futebol, era maquiagem, material escolar, bolsa. E eles ficaram tão felizes”. 

Outra vez foi quando uma antiga criança beneficiada pela campanha adotou uma cartinha em retribuição. “Já teve crianças aqui que escreveram para Papai Noel há muitos anos, pedindo bicicleta. E num certo momento, teve uma que quando viu uma carta de bicicleta se lembrou dele mesmo. E hoje ele já está adulto, formado, com condições, adotou uma cartinha e realizou aquele sonho. Veja que coisa mais bonita. A gente fica tão emocionado, fica tão maravilhado, não tem nem como. Mas o mais importante é isso, é a magia que o Papai Noel tem no universo dessas crianças, porque elas sabem que escrevendo para Papai Noel, o Bom Velhinho, ela pode ganhar o presente que ela tanto deseja”, contou.

Mais campanhas de Natal

O Movimento Pró-Criança, entidade sem fins lucrativos ligada à Igreja Católica, chegou à 11ª edição da campanha Anjos de Natal, em que crianças assistidas pelo projeto escrevem cartinhas ao Papai Noel com pedidos de roupas e calçados. 

“As crianças muitas vezes não pediam isso, porque já estavam acostumadas a andar descalças ou com roupas rasgadas. Mas nós precisamos mostrar que elas também merecem ter diginidade”, comentou Lindinalva Dias, coordenadora da Pastoral do Movimento Pró-Criança e idealizadora da campanha. As pessoas que adotam as cartinhas são os chamados anjos da ação. 

No Recife, a loja Ferreira Costa também mantém há mais de 20 anos uma campanha solidária para adoção de cartinhas de crianças abrigadas ou assistidas por instituições filantrópicas.

Escrevendo cartinhas 

O pequeno Kauã, de 8 anos, recém-alfabetizado, viveu pela primeira vez a emoção de escrever pessoalmente a carta para o Bom Velhinho. Antes, era a mãe, Clécia Macena, de 31 anos, atendente em uma clínica de bronzeamento, quem escrevia o pedido do filho na cartinha de papel. “Ele é mais tímido, mais envergonhado, mas adora esse momento de pensar no presente e escrever a carta para o Papai Noel”, contou a mãe. A família mora na Ilha Joana Bezerra, na região central do Recife, e mantém a tradição anual ao lado de primas e tios que também moram no bairro. A pequena Tâmara, de 6 anos, alegra-se em contar que conversou com o Papai Noel pela cartinha. “Eu gostei muito”, disse.

É a avó de Kauã e Tâmara, dona Eliete Maria, de 53 anos, quem tem a missão de levar as cartinhas das crianças da região até o projeto que acolhe o material e põe cada carta para adoção, à espera de pessoas dispostas a ajudar, presentear e realizar o sonho dos pequenos. “As pessoas me agradecem e é muito emocionante ver que elas recebem os presentes e saber que eu também ajudei”, disse.    

Os múltiplos Noéis

Outros personagens importantes nessa cadeia natalina são as pessoas que ajudam a tirar o sonho das crianças do papel. A artista plástica aposentada Anita de Burgos, de 60 anos, e a filha, Marina de Burgos, de 31, adotaram uma cartinha há algumas semanas e foram em busca de mais duas ao saberem que a criança tinha duas irmãs. “A gente não queria que uma irmã recebesse os presentes e as outras não”, comentou Anita. “Eu sou advogada e a menina da primeira carta escreveu que o sonho dela era ser advogada. Isso me tocou demais”, acrescentou Marina. 

Anita de Burgos faz questão de sempre adotar cartinhas - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco 

O leiloeiro Luciano Rodrigues, de 51 anos, costuma adotar anualmente cerca de 150 cartinhas e é classificado como “Super Padrinho” pelos Correios. O título é destinado a pessoas que adotam mais de 50 cartas. “Eu creio que já façam uns 23 ou 24 anos que eu adoto. Comecei com poucas cartas, em torno de 10, e fui aumentando. Eu acho que a gente tem que retribuir o que Deus nos dá, ainda mais em um momento desse de pandemia, e principalmente a uma criança, que às vezes não tem a condição de ter um presente”, contou o doador.

Na última quinta-feira, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PE) promoveu a entrega de presentes a crianças da comunidade do Pilar, situada no Bairro do Recife, e da Orquestra de Câmara do Alto da Mina, localizada em Olinda, cujos cartões fizeram parte da árvore de Natal da instituição. “O intuito dessa ação é, justamente, comemorar o recomeço e continuar ajudando aqueles menos favoráveis, adotando as cartinhas, e alegrando os seus corações”, comentou a presidente do órgão, Maria Clara Saboya. 

A presidente do TRT-PE, Maria Clara Saboya, presenteou Cláudio Pereira, de 11 anos - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

A servidora Karina Lustosa foi uma das pessoas que abraçaram o projeto: “Eu acho que você precisa ajudar o próximo. E é uma ajuda tão pequena mas que vai fazer a diferença para alguém, uma criança que poderia não ter o presente e terá”. O pequeno Cláudio Pereira, de 11 anos, ficou feliz com a ação. “Eu gostei de escrever o cartão e receber um presente. Eu moro ali no Pilar e a gente gostou muito de vir aqui”, contou.