Papa denuncia em Atenas uma Europa 'dilacerada por egoísmos nacionalistas'
O pontífice argentino criticou o fato de "a Europa persistir em procrastinar" diante da chegada de migrantes
O papa Francisco destacou, neste sábado (4), no primeiro dia de sua visita a Atenas, a responsabilidade da Europa na crise migratória e lamentou que ela seja "dilacerada por egoísmos nacionalistas".
O pontífice argentino de 84 anos, que chegou pouco depois das 11h00 (6h00 de Brasília) ao aeroporto de Atenas, criticou o fato de "a Europa persistir em procrastinar" diante da chegada de migrantes "em vez de ser um motor de solidariedade".
Ele falou diante da presidente da República Helênica, Katerina Sakellaropoulou, e do primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, bem como para uma audiência de personalidades católicas e civis que o aplaudiram calorosamente no Palácio Presidencial de Atenas.
Se Francisco visitou a ilha grega de Lesbos em 2016, para onde retornará no domingo, é a primeira visita de um papa a Atenas em vinte anos, desde a de João Paulo II em maio de 2001.
Antes, passou dois dias em Chipre, onde criticou "o muro do ódio" erguido contra os migrantes, dos quais cinquenta serão transferidos para Roma, incluindo 10 em situação irregular, de acordo com Nicósia.
Em Atenas, o pontífice lembrou que a Grécia "recebeu em algumas de suas ilhas um número de irmãos e irmãs migrantes superior ao dos próprios habitantes". No entanto, "a comunidade europeia, dilacerada por egoísmos nacionalistas, por vezes parece bloqueada e descoordenada, em vez de ser um motor de solidariedade", declarou às autoridades políticas.
Poucos minutos antes, a presidente Sakellaropoulou havia mencionado a "humanidade dos gregos e o fardo desproporcional que suportaram" na gestão desta crise.
"Nosso país está tentando ao máximo prevenir o tráfico ilegal de pessoas", ressaltou.
A presidente também agradeceu ao papa seu "caloroso apoio" durante a conversão da Basílica de Santa Sofia de Istambul em mesquita, a fim de "mantê-la como um símbolo universal do culto religioso e um monumento emblemático do patrimônio mundial".
Em Atenas, o papa vem "para matar a sede nas fontes da fraternidade" e para fortalecer os seus laços com os seus "irmãos de fé", os cristãos ortodoxos, separados da Igreja Católica desde o cisma de 1054 entre Roma e Constantinopla.
Francisco se encontrará hoje com o arcebispo da Igreja Ortodoxa da Grécia Hieronym II e sua comitiva.
Em um vídeo publicado pouco antes de sua partida de Roma, o papa se apresentou como um "peregrino" indo ao encontro de "todos, não apenas católicos", uma minoria de 1,2% em um país com uma grande maioria religiosa ortodoxa, não separada do Estado.
"Fontes da humanidade"
Esta viagem - a sua 35ª ao exterior desde a sua eleição em 2013 - também será marcada no domingo por uma nova visita a Lesbos, símbolo da crise migratória, onde disse que iria "às fontes da humanidade" para advogar pela recepção e "integração" dos refugiados.
Sexta-feira em Chipre, Francisco pediu que o mundo "abra os olhos" para a "escravidão" e "tortura" a que os migrantes são submetidos.
Quarenta ONGs de defesa de migrantes instaram o papa a intervir para pôr fim às alegadas repulsões de exilados nas fronteiras greco-turcas.
O "pai espiritual" é aguardado com ansiedade em Lesbos, onde cerca de 30 novos requerentes de asilo desembarcaram na quarta-feira.
"Estamos esperando por ele de braços abertos", declarou Berthe, um camaronês que espera que o papa "reze por nós por causa das inseguranças que vivemos".
Durante sua "breve" visita ao campo de Mavrovouni, ele encontrará duas famílias de refugiados "escolhidas ao acaso", segundo Dimitris Vafeas, vice-diretor do campo.
Cerca de 900 policiais serão destacados durante sua viagem à ilha grega e ao redor do acampamento erguido às pressas após o incêndio de setembro de 2020 que destruiu a estrutura de Moria, visitada pelo papa há cinco anos.
Drones, veículos blindados e estradas cortadas: a capital também está sob segurança máxima até a partida do soberano pontífice no final da manhã de segunda-feira, em antecipação a possíveis manifestações hostis.
Mesmo que o clima seja melhor do que em 2001, durante a primeira visita de um papa à Grécia, há, dentro do sínodo grego, "alguns fanáticos anticatólicos famosos", comentou à AFP Pierre Salembier, superior da comunidade jesuíta na Grécia.
Todas as reuniões foram proibidas no centro de Atenas, sobrevoado por um helicóptero. São esperados até 2.000 policiais em caso de protestos de fundamentalistas ortodoxos.
Há vinte anos, João Paulo II pediu "perdão" pelos pecados dos católicos contra os ortodoxos, em referência ao saque de Constantinopla em 1204.