Grupo dos 10% mais ricos emite quatro vezes mais CO2 do que os 50% da base
Números até 2019 mostram forma diferente de mensurar a desigualdade no mundo. Emissões informam sobre desequilíbrio no acesso a produtos e serviços no mundo
A desigualdade entre ricos e pobres no mundo não é medida apenas levando em conta a quantidade de dinheiro, imóveis e demais ativos. Outra medida, por vezes deixada de lado, usada para calcular o desequilíbrio é o impacto que esses grupos geram para o meio ambiente. E a diferença não é pequena.
Levando em conta dados até 2019, os 10% mais ricos emitem quatro vezes mais CO2 do que os 50% mais pobres, entretanto, são os da ponta de baixo que pagam a conta.
Esse e outros dados estão no último relatório “Desigualdade Mundial” produzido pelo laboratório de mesmo nome, que possui o francês Thomas Pikkety como um dos seus coordenadores.
Segundo o relatório, os 10% mais ricos são responsáveis por 47,6% de todas as emissões globais, o equivalente a 31 toneladas por pessoa, enquanto os 50% da base da pirâmide produzem apenas 12% do total de emissões, que correspondem a 1,6 toneladas por pessoa. O 1% mais rico emite 110 toneladas por pessoa, ou 16,8% do total.
O resultado deixa claro a discrepância da contribuição dos diferentes grupos para a mudança climática. Quase metade de todas as emissões globais são geradas por um décimo da população.
"A mudança climática vai ter maior impacto nos grupos de baixa renda no mundo. Essa é uma forma de desigualdade. E políticas ambientais que funcionam são políticas ambientais que se preocupam com a redução da desigualdade" destaca o principal autor do relatório e coeditor do laboratório, Lucas Chancel.
As emissões são o resultado da queima de combustíveis fósseis em processos industriais, como a produção de cimento, na agropecuária, e na gestão de resíduos. Essas atividades emitem dióxido de carbono bem como outros gases responsáveis pelo efeito estufa.
Em 2021, os humanos já liberaram quase 50 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, revertendo boa parte do declínio observado em 2020 devido à pandemia. Em média, cada indivíduo emite pouco mais de 6,5 toneladas de CO2 por ano.
O recorte ambiental é um avanço frente ao relatório anterior, publicado em 2018 pelo grupo. Isso porque, as emissões de carbono dizem muito sobre o perfil de consumo de cada indivíduo e classe.
Elas dão informações sobre o tipo de transporte que as pessoas usam, os alimentos que elas têm à disposição na mesa, os aparelhos eletrônicos que utilizam, ou não, e até que investimentos fazem, quando, por exemplo, optam por comprar ações de empresas que são poluidoras.
Na Europa, os 50% mais pobres emitem cerca de 5,1 toneladas por ano de CO2 por pessoa. Na América do Norte, esse patamar é de 10 toneladas, enquanto no Leste Asiático, é de 3,1 toneladas.
Já os 10% mais ricos no continente europeu emitem 29,2 toneladas. Na América do Norte, esse número chega a expressivas 73 toneladas e no Leste Asiático, 38,9 toneladas.
Os pesquisadores destacam que a metade mais pobre da população dos países ricos já se encontra ou está próxima das metas climáticas estabelecidas pelos países ricos, quando essas metas são expressas em uma base de cálculo per capita.
Os níveis de emissão citados no relatório incluem tanto aquelas produzidas dentro de um país quanto as associadas à importação de bens e serviços. Dessa forma, quando os americanos importam smartphones do Leste Asiático, as emissões de carbono geradas na produção desses produtos são atribuídas a eles e não aos asiáticos.
O perfil dessa desigualdade vem mudando. Em 1990, a maior parte dela ocorria pelas diferenças entre países. Hoje, as desigualdades de emissões dentro de cada país respondem por quase dois terços da desigualdade global de emissões.
Os autores destacam que essa realidade mostra que a forma de se pensar sobre a tributação do carbono precisa mudar. Eles defendem que, ao invés de alíquotas tributárias uniformes, deve-se adotar impostos progressivos sobre o carbono, isto é, que cobrem taxas maiores de quem polui mais.
Isso também deveria ser feito, na visão dos pesquisadores, pois os indivíduos de baixa e média renda têm espaço limitado para suas escolhas, já que estão presos em uma infraestrutura intensiva em uso de carbono.
Já os investidores que optam por alocar seu dinheiro em indústrias fósseis o fazem enquanto têm opções alternativas para investir seu patrimônio.
As, já famosas, viagens especiais são um bom exemplo disso. De acordo com o relatório, levando em conta as emissões indiretas, um voo espacial de 11 minutos emite não menos que 75 toneladas de carbono por passageiro. Ao mesmo tempo, cerca de um bilhão de indivíduos emite menos de uma tonelada por pessoa por ano.
Portanto, uma restrita parcela da população global levará alguns minutos em viagens espaciais para emitir, pelo menos, a mesma quantidade de carbono que uma pessoa da parte mais pobre da população emitirá em toda a sua vida.