Teledramaturgia

Em transformação, telenovelas completam 70 anos no Brasil

Após sete décadas, formato vem perdendo audiência na TV aberta, mas se reinventa no streaming

"Sua Vida Me Pertence", primeira novela brasileira - Reprodução/Acervo da AMM/CCSP.

No dia 21 de dezembro de 1951, os brasileiros sintonizavam seus televisores pela primeira vez para assistirem a uma novela. Há 70 anos, o gênero estreava no País com “Sua Vida me Pertence”, transmitida pela extinta TV Tupi. De lá para cá, se tornou mania nacional e, nos últimos anos, vem passando por profundas transformações.

Cassiano Gabus Mendes, então diretor artístico da Tupi, foi quem teve a ideia de levar à televisão um tipo de produção semelhante ao cinema ou à dramaturgia. Wálter Forster cunhou o termo “telenovela”, propondo uma versão televisiva das já aclamadas radionovelas, que, por sua vez, bebiam da fonte dos folhetins do século 19.

A primeira novela brasileira, no entanto, ainda não tinha a cara que conhecemos hoje. Escrita e dirigida por Wálter Forster, que também protagonizava a trama ao lado da atriz Vida Alves, a história foi contada em apenas 15 capítulos, que iam ao ar duas vezes por semana: nas terças e quintas-feiras. O formato diário só passou a ser adotado com “2-5499 Ocupado”, da TV Excelsior, em 1963.

Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia e autor do livro “A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil”, destaca que o gênero só caiu definitivamente no gosto popular mais de dez anos após o seu debute. “Curiosamente, o marco que sela de maneira oficial a paixão do brasileiro pela telenovela vem de Cuba: ‘O Direito de Nascer’, original de Félix Caignet. No Brasil, foi produzida pela TV Tupi de São Paulo, em 1964. Transformou-se numa apoteose, com exibição do último capítulo, ao vivo, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro”, conta o especialista, que, durante 30 anos, trabalhou como consultor para a TV Globo.

Mauro Alenca, doutor em teledramaturgia (Foto: Divulgação)



#madeinbrasil

Não é exagero dizer que, ao longo das décadas, a novela se solidificou como um elemento da identidade cultural brasileira. Seja alimentando o suspense com o famoso “quem matou?”, como em “Vale Tudo” (1988), ou lançando personagens icônicos e fomentadores de “memes”, como a vilã Nazaré Tedesco, de Senhora do Destino (2004), os folhetins se tornaram verdadeiros clássicos do nosso audiovisual.

Desde “O Bem-Amado” (1973), da Globo, as telenovelas nacionais passaram a ser também exportadas. “Avenida Brasil” (2012), por exemplo, já foi vendida para 147 países, o que reforça o interesse internacional pelo produto. Mas o que diferencia o que é feito aqui das tramas produzidas em outros lugares? Para Mauro Alencar, a distinção está nas temáticas extraídas do cotidiano. "As personagens passaram a emergir, não raro, de um contexto socioeconômico. Sem abrir mão, logicamente, do folhetim e do melodrama, a telenovela brasileira passou a revelar ou desvelar a identidade nacional, sempre dentro de um processo psicossocial”, comenta.

Queda de audiência e streaming

Também é verdade que, nos últimos anos, as novelas vêm perdendo muito do seu prestígio. Os baixos números de audiência de produções recentes demonstram que, na TV aberta, o formato já não reina absoluto. O futuro dos folhetins televisivos parece apontar, agora, para o streaming, que no passado já chegou a ser visto como uma ameaça. De olho no crescimento que o Globoplay alcançou ao adicionar mais novelas clássicas em seu catálogo, outras grandes plataformas estão correndo atrás para lançarem seus próprios títulos do gênero. O player da Rede Globo, no entanto, foi quem saiu na frente nesta disputa, lançando em outubro “Verdades Secretas 2”, primeira novela brasileira concebida para o consumo virtual.

'Verdade Secretas 2' inaugura era das novelas no streaming (Foto: Globo/Divulgação)

Os concorrentes estrangeiros já se preparam para abocanhar uma fatia desse público. O HBO Max tem investido pesado no segmento de “telesséries”, que nada mais são do que novelas bem mais curtas, com cerca de 50 capítulos. Para supervisionar o desenvolvimento de projetos do tipo em toda a América Latina, a empresa contratou o veternano Silvio de Abreu, autor de tramas como “Rainha da Sucata” (1990) e “Belíssima” (2005), que chegou a ser diretor de teledramaturgia da Globo.

A Netflix é outra interessada neste tipo de conteúdo, embora ainda não tenha anunciado nenhum projeto concreto. Durante a realização do evento Mais Brasil na Tela, em novembro, Elisabetta Zenatti, vice-presidente de Conteúdo da empresa no País, explicou como deve ser o modelo adotado pela plataforma. “Não vamos fazer a novela clássica, que dura quase o ano inteiro, tem encontro marcado com o público em determinado horário e é feita como um livro aberto, sendo escrita de acordo com o gosto do público. Com certeza, vai ser uma obra fechada”, declarou.