Cultura

Desafios da cadeia produtiva da cultura em 2021

Produtores e artistas avaliam como foi o ano para a cadeia produtiva da cultura, desde a proibição de shows e eventos na pandemia até a retomada gradual do setor

O Teatro de Santa Isabel vazio e o retorno do público ao No Ar Coquetel Molotov - Felipe Ribeiro / Divulgação (Coquetel Molotov)

Apesar dos tantos pesares, a Cultura sobreviveu a 2021 com perspectiva de retomada que tem acontecido gradativamente e deve seguir em 2022. Em Pernambuco, por exemplo, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) conseguiu feitos importantes, entre eles a titulação de manifestações culturais que foram elevadas a Patrimônios Imateriais do Brasil, com destaque para o Repente e a Ciranda do Nordeste.

Após a fase mais aguda da pandemia, a Fundarpe retomou gradativamente as atividades culturais tendo como foco as manifestações da cultura popular pernambucana e na cena artística local, a descentralização das atividades e o respeito às exigências de controle sanitário por parte do Estado", reforçou o presidente Marcelo Canuto, destacando que o Estado agora conta com 14 das 52 manifestações culturais registradas pelo Iphan.

Já a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) reabriu as portas dos seus cinemas e levou para o Bairro do Recife uma nova sala, o Cinema do Porto. E festivais como o Molotov e a Macuca também voltaram às atividades e o Quinteto Violado, um dos grupos de maior importância da música local e nacional, conseguiu celebrar 50 anos de estrada, com a pompa e circunstância de um Teatro de Santa Isabel, novamente lotado.

Um começo de ano difícil
Apesar do segundo semestre promissor, o ano de 2021 começou em um cenário de quarentena rígida que levou ao cancelamento de grandes eventos, inclusive do Carnaval, uma das mais tradicionais e importantes festividades de Pernambuco pela primeira vez em décadas. Em julho, também em razão da pandemia, o São João também precisou ser cancelado. Sem contar com os dois principais ciclos festivos no Estado, muitos músicos precisaram vender seus instrumentos e a crise econômica impactou toda a categoria da cultura, dos artistas aos profissionais da área técnica e produtores.

Apesar de ter sido a primeira a parar, a área da cultura teve que esperar que o Congresso Nacional e o poder público contempasse o setor com recursos emergenciais, o que só viria a acontecer com a aprovação da Lei Aldir Blanc - aprovada apenas no mês de maio - e a destinação desses recursos para amenizar o impacto das medidas restritivas.

O 2021 DOS FESTIVAIS

Coquetel Molotov
Com a impossibilidade de reallizar shows e espetáculos com público, muitos festivais tiveram que se readequar à nova realidade sanitária para garantir sobrevivência. Foi o caso do No Ar Coquetel Molotov, que apresentou sua edição no formato de live.

"Logo no começo da pandemia, em março de 2020, estávamos ainda captando e planejando a nossa 17ª edição que seria em novembro do mesmo ano, então estaáamos sendo solidários com os amigos agentes de bandas que tiveram suas turnês canceladas, dos produtores de casa de shows e dialogando com uma grande rede de festivais de música do Brasil. Estávamos esperançosos que o cenário fosse mudar e só foi em junho que a gente anunciou que não teríamos a edição presencial", contou Ana garcia, produtora do festival.

A incerteza e pouca previsibilidade sobre a realização dos eventos culturais se apresentaram como grandes desafios para os produtores, avalia Ana Garcia. "Uma sensação de impotência e medo com o nosso futuro era grande, mas usei isso como adubo para a nossa criatividade e pensar em formas de nos inovar e ainda criar algo instigante no meio de tudo isso. Já tinhamos participado do festival digital #FicoEmCasaBR e já tínhamos realizado o primeiro festival de música imersivo no Brasil com o Coquetel Molotov.EXE".

"Foi um momento de muitos encontros e imersões com equipe, público e parceiros para repensar o Coquetel Molotov e formatar o que veio a ser a nossa 17ª edição em janeiro de 2021 com o nosso metaverso, o mundo 3D criado pela banda Rosabege onde realizamos shows, conversas e tinha diversas galerias e conteúdos exclusivos com a nossa série cinematográfica que foi toda filmada em um cenário incrível em Gravatá, no Criatório".

Entre outros eventos realizados nesse período, Ana destaca a edição do Virtuosi, outra edição do Coquetel Molotov.EXE, um festival em formato de revista, a Mostra Play the Movie, antes de retomar ao formato tradicional. "Fomos o primeiro festival de música a voltar pro presencial em formato híbrido. A 18ª edição do festival aconteceu em novembro no Teatro Guararapes com transmissão no TikTok e ainda tivemos toda uma programação digital com pitchings de novos artistas, palestras e oficinas", destaca. 

 

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Desafios - Ana Garcia aponta os principais gargalos de 2021 para o setor cultural. "Impactou de uma forma muito pesada, fomos o último setor a voltar e ainda estamos com restrições em quantidade de público, etc… acho que ainda vamos sentir o impacto financeiro no proximo ano. Diversos festivais e casas de shows deixaram de existir por causa da pandemia. Mas entendemos que com isso novas soluções irão surgir, mas mais do que nunca vamos precisar do dinheiro público para apoiar as diversas cenas musicais que estão completamente desamparadas sem recurso privado". 

"Acho que foi um ano de muita dificuldade e busca de soluções. Tivemos o maior apoio da história do Brasil na cultura com a Lei Aldir Blanc, possibilitando um pequeno respiro no setor cultural, mas também nos fazendo enxergar as dificuldades em diversos estados de se fazer cultura. Foi um ano da volta de uma das maiores associações de festivais, a Abrafin, que tem sido super importante para dialogar e levantar pautas e discutir com o poder público o futuro da música e dos festivais. Também foi um ano de grandes perdas - desde casas de shows, festivais a pessoas importante para a música. Mas voltamos e isso tem sido um dos momentos mais incríveis".

Boi da Macuca
Como se não bastasse as dificuldades trazidas pela pandemia, o produtor cultural Rudá Rocha recebeu a responsabilidade de liderar os eventos do Boi da Macuca após a morte do seu pai, José oliveira Rocha, conhecido como Zé da Macuca. A agremiação  realiza diversos eventos na Fazenda Macuca, na zona rural de Correntes, no Agreste pernambucano, além de ser tradicional nas prévias de carnaval. No novo contexto de pandemia, tudo mudou.
Fazenda Macuca, que realiza diversos eventos culturais ao longo do ano

"O maior desafio de 2021 foi a falta de demanda por trabalho profissional no setor cultural, tanto para produtores quanto para artistas e os demais trabalhadores da cultura. O que faltou foi trabalho profissional, justamente por não ter os eventos presenciais. Quando você não tem a contribuição financeira do público através da bilheteria e patrocínios que aparecem mais para eventos presenciais, enfim, tem todo um contexto econômico e financeiro extremamente fragilizado desde 2020. Então, a falta dos eventos presenciais por conta da pandemia foi a principal causa da dificuldade de gerar demanda de trabalho profissional para todos do setor cultural e do entretenimento", avaliou Rudá.

Pela natureza das festividades realizadas pelo Boi da Macuca, que sempre foram centradas no contato humano e na reunião de pessoas, conta Rudá, não foi fácil conceber um evento sem esse calor humano. "É difícil de vencer essa dificuldade, pois as lives já em 2020 começaram a ter um aspecto meio desbotado junto ao púbico, porque as pessoas querem a experiência e assistir na TV e no celular tem data de validade. A experiência de estar ali presencialmente com os amigos confraternizando e assistindo um show é outra coisa e é disso que as pessoas gostam e sentem falta".
 

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Sobre a retomada dos eventos, Rudá espera que haja mais previsibilidade para a realização de eventos. "Apesar de ser uma coisa extremamente positiva, a gente ainda está em um cenário altamente incerto, de forma que é difícil conseguir planejar um mês na frente. A gente não sabe o que vai acontecer. Por exemplo, boa parte da opinião geral há um mês, um mês e meio atrás acreditava que iria ter Carnaval. E a gente já está vendo que não vai existir o carnaval de rua e que mesmo os eventos fechados ainda não têm essa certeza absoluta de quando vai ser, de como é que vai ser o percentual de público possível. E isso tudo complica para definir grade de programação e chegar junto de patrocinador, porque o cenário é de incerteza", pondera.

Além da incerteza, Rudá enxerga o comportamento do público como fator a ser levado em conta. "No cenário que a gente está agora ainda é uma coisa nebulosa, também por conta do receio da opinião do próprio público. Porque embora você tenha hoje em dia normas sanitárias que permitem a realização dos eventos com comprovação de vacina e todos os protocolos que a gente já sabe, ainda tem o risco do púbico não aceitar esse tipo de evfento, rejeitar e causar uma repercussão negativa. Isso é um outro receio", comenta. Apesar desses temores, ele acredita que 2022 será melhor para o setor de eventos. Acredito que do meio do pra frente a gente tenha um cenário de calmaria muito maior", prevê.

Janeiro de Grandes Espetáculos
O produtor de eventos de artes cênicas, entre eles o Janeiro de Grades Espetáculos, Paulo de Castro, avaliou o ano de 2021 como desafiador, mas elencou conquistas importantes, sobretudo após a reabertura. "A coisa tá feia mas a categoria está esperançosa pela volta dos espetáculos presencias. A Mostra Brasileira de Dança é um exemplo que terminou muito bem e foi muito bom de público. O JGE estar para começar e com mais de 70 espetáculos e as pessoas ensaiando", comemora.

"Acho que vai ser mais um JGE de qualidade e de um grande público, estamos com a equipe toda trabalhando os dois expedientes. Vai dar certo, sem as artes fica difícil viver bem. Queremos agradecer os mais 800 atores diretores produtores e técnicos que irão participar desse JGE que entrará para a história", afirma.

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