Com avanço da vacinação contra pandemia, Réveillon 2022 renova sentimento de esperança
Embora o período de exceção da Covid-19 não tenha se encerrado e ainda vá gerar repercussão, há novos motivos para projeção de dias melhores. Conheça histórias.
O fim de 2021 não foi um fim de ano comum. É como se o Réveillon deste sábado (1º) representasse a conclusão de um ciclo maior, iniciado entre fevereiro e março de um 2020 que, de tão fresco na memória, nem parece retrasado, quando todo o mundo recebeu a orientação de se isolar, do jeito que desse, na tentativa de sobreviver à maior crise sanitária do último século.
De lá para cá, quase 24 meses se passaram, e, embora o período de exceção não tenha se encerrado e ainda vá gerar (muita) repercussão, pelo menos por ora, há novos motivos para se ter esperança, com mais de 60% da população brasileira vacinada contra a Covid-19 em meio a uma rotina mais flexível e próxima da normalidade de antes.
Fim da pandemia?
Apesar das notícias sobre a variante Ômicron, a nova onda na Europa e a atual epidemia de gripe no País, o otimismo - ou, melhor, o “realismo esperançoso”, como pregava o escritor Ariano Suassuna (1927-2014) - não é fruto apenas de um desejo. A pandemia provocada pelo Sars-Cov-2 poderá, mesmo, acabar em 2022.
Ao menos, foi o que disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em entrevista coletiva do dia 20 de dezembro. Mas, para isso, a vacinação precisa romper as barreiras das desigualdades e avançar, especialmente, no continente africano, justo onde a mutação mais recente do novo coronavírus surgiu. Por aqui, também é preciso que a população complete o esquema vacinal, tomando as três doses.
Presumindo que o melhor dos cenários se confirme, com a população mundial vacinada, a Ômicron controlada e sem o aparecimento de outras variantes mais letais e contagiosas, esse “final de pandemia” não deve ocorrer antes do segundo semestre, na avaliação do médico Demetrius Montenegro, chefe do setor de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no Recife. Até que a situação seja considerada sob controle, os protocolos que exigem o uso de máscara e o distanciamento social continuam valendo.
“Se formos comparar com o mesmo momento no ano passado, temos hoje expectativas bem melhores, até porque a vacinação progrediu. Mas do que se precisa agora é a questão da dose de reforço e daquelas pessoas que ainda vão tomar a segunda. E, segundo o que os estudiosos vêm apontando, para ter uma melhor cobertura contra a Ômicron, é necessário ter as três doses”, explica o especialista. “Os países ricos precisam enviar vacinas à África, porque senão não dá para vislumbrar uma saída mais precoce. Não é possível que o mundo não aprendeu que essa é uma doença da coletividade”.
Outro fator alarmante é o surto de H3N2. “Nós temos antiviral para o Influenza e vacina que dá para ser produzida contra as novas cepas de forma mais rápida. Mas, neste cenário atual, é extremamente preocupante. Principalmente, porque ainda temos a Covid circulando e são dois vírus que têm a mesma forma de transmissão e proteção. Então, se há circulação do H3N2, é porque as pessoas não estão se protegendo, e nem estou falando de vacina, mas daquilo que a gente passa desde o começo da pandemia: manter o distanciamento, usar máscara e lavar as mãos”, analisa.
Tempos de mudança
Crise sanitária, social, econômica, política. O novo coronavírus veio como uma tempestade que promete devastar o mundo. Felizmente, não devastou. Mas, para uma infinidade de gente, mudou bastante a ordem das coisas, interrompendo planos e exigindo o traçado de novos rumos, antes inimagináveis.
Se há duas pessoas que sabem bem disso, elas se chamam Milena Almeida, de 23 anos, e José Alexandre Gomes, 33. Casados há sete meses, morando em Paulista, no Grande Recife, os dois se conheceram menos de um ano antes, em novembro de 2020, quando a jovem de São Paulo fez uma viagem de 15 dias para a Capital pernambucana, por intermédio da igreja que frequenta, logo após a primeira fase mais restrita da pandemia.
“Eu tive um momento muito difícil e, quando a maré baixou, eu vim para cá. Foi aquela paixãozinha de verão. Namoramos a distância e decidi morar aqui”, resume Milena, que deixou o emprego de auxiliar administrativa e a vida junto da família no Sudeste para começar uma nova em Pernambuco.
Ainda no estado de origem, ela perdeu parentes e amigos para a Covid-19 e, enquanto lidava com os problemas emocionais, chegou a contrair a doença. Hoje se diz feliz e com esperança no futuro. “Eu desejo muita fé e paciência para nossos processos, porque tudo passa. Que a gente tenha em mente que tudo pode melhorar”, declara.
Técnico em enfermagem, José Alexandre testemunhou de perto a tragédia da Covid quando trabalhava em dois hospitais no Recife. E agora, no fim do ano, ficou desempregado.
“Graças a Deus, não tive perda na família, mas, como alguém da linha de frente, vi muita gente morrer na UTI e muitos amigos meus sofrerem emocionalmente, ficarem deprimidos. Perdi colegas de trabalho. Nessas horas, só me agarrava em Deus”, lembra. “Depois que a pandemia deu uma queda, fui um dos demitidos. Mas a gente tem feito bicos, vendendo camisas e pulseiras, e recebido ajuda”. Caso ele não consiga emprego, o casal pensa em partir em viagem missionária, pela igreja, para a Europa.
Ressignificação
Essa foi a palavra escolhida por Lisandra Bernardino, 29, para descrever esses últimos tempos. A poetisa, produtora cultural e social media, que também atua em projetos sociais, é de Natal, no Rio Grande do Norte, e veio passar o recesso no Recife, onde morou por quatro anos até antes da pandemia.
Nessa época, ela trabalhava numa loja de joias em um shopping e, com o fechamento do comércio, decidiu voltar a viver mais perto da família. Foi quando a jovem viu a oportunidade de explorar talentos que deixava guardados desde a infância.
“Eu escrevia, mas não publicava nada, não expunha. E, quando comecei a mostrar, as pessoas gostaram e agora, em 2021, lancei dois zines, meus primeiros livretos de poesia”, conta. O próximo passo é publicar um livro.
Depois de todo esse processo, Lisandra espera que o público se inspire e se abra para as novas possibilidades trazidas pelo universo da arte. “Que as pessoas vejam que há outros artistas trabalhando e que este ano seja inspirador”, deseja.
Pertencente a uma geração que busca se tornar cada vez mais consciente de si mesma, a amiga de Lisandra, com quem divide apartamento em Natal, Thaís Balbino, 27, também viveu um momento de autodescoberta no ano passado, quando passou a se ver como uma pessoa racializada.
“Deixei de me considerar branca e estou entendendo o meu espaço, onde eu vivo e como as pessoas me veem e me aceitam”, diz. Técnica agrícola, ela deseja que as políticas públicas, especialmente na distribuição de alimentos, sejam valorizadas. “A gente precisa se ajudar, ser mais empático. E espero que muitas pessoas parem de passar fome”, afirma.
O valor da esperança
Cortado em “fatias”, como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o tempo é uma abstração que provoca os sentimentos mais diversos. Quando “curto” ou “corrido” demais, pode gerar ansiedade, apreensão, estresse. Mas, quando projetado para além da dureza do cotidiano, desperta uma sensação mais revigorante: a esperança.
Para o professor de filosofia Marcos Gomes, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), olhar a passagem dos anos como uma abertura de ciclos faz parte da natureza simbólica do ser humano.
“Nós somos capazes de lidar com a realidade, simbolizá-la e recriá-la. Então, a passagem de ano é simbólica porque o ser humano precisa estruturar o seu empenho para traçar um caminho de um ponto A para um ponto B que possa trazer respostas, por exemplo, para a saúde, para a política e para a situação sofrida do povo. E para nós, humanos, isso é formidável porque isso passa pela dimensão simbólica de estruturar a realidade, o espaço e o tempo e projetar lá na frente as transformações que esperamos”, conclui.