Fotografia

'Cova da Moura': livro registra o cotidiano de comunidade africana em Portugal

Obra traz fotografias de crianças moradoras do bairro da Cova da Moura, em Lisboa

Criança moradora do bairro da Cova da Onça, em Portugal - Maurício Roberto da Suilva/Divulgação

Localizado na região metropolitana de Lisboa, em Portugal, o bairro da Cova da Moura concentra uma grande parcela dos migrantes vindos de países africanos. Sua população vive uma realidade que em muito lembra a das favelas brasileiras, cercada por violência, desigualdade social e racismo. Essa semelhança chamou a atenção do fotógrafo, escritor e professor recifense Maurício Roberto da Silva, que conviveu com os moradores do local entre 2007 e 2008.

A experiência do artista na comunidade resultou em dezenas de fotografias, das quais várias estão reunidas nas 78 páginas do livro “Cova da Moura”. A obra, publicada pela Editora Origem, terá uma noite de autógrafos nesta sexta-feira (7), a partir das 18h, no Hotel Central, após ganhar eventos de lançamento em Aracaju, Salvador e Florianópolis.  

O contato de Maurício com o bairro português ocorreu no período em que ele se dedicava ao pós-doutorado no País europeu. Voluntário em um projeto social, o pernambucano comandava aulas de iniciação teatral com os jovens da região três vezes por semana. A partir dos relatos ouvidos, o autor pôde constatar a discriminação sofrida por aquelas pessoas.

“É um gueto africano no meio de uma cidade branca. Percebi uma vitalidade muito grande nos moradores, mas ao mesmo tempo eles me revelavam problemas com o racismo. Assim como no Brasil, há uma tentativa de camuflar isso com um discurso de democracia racial que não é comprovado na prática. Tanto que as crianças reclamavam, por exemplo, de irem ao Centro da cidade com os pais e serem tratadas de maneira bastante hostil”, conta.

Maurício passou a registrar o cotidiano do bairro. As imagens em preto e branco revelam, em especial, os olhares, sorrisos e expressões de meninos e meninas, vivendo em um contexto marcado pela segregação. “Para a formação dessas crianças, é muito duro lidar com esse duplo estigma: o de ser pobre e negro em uma sociedade elitista e racista. É um problema que a gente encontra em Lisboa, mas também no Recife ou em qualquer outra cidade do Brasil”, defende.  

O fotógrafo conta que a relação com os personagens registrados nas imagens foi pautada em uma confiança conquistada aos poucos. “Eles começaram um pouco desconfiados, mas com o tempo fomos estabelecendo uma intimidade”, comenta. Nas oficinas de artes cênicas, o artista empregou o método do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, o que o ajudou a estreitar os laços com os alunos.  

“Um dos jogos dramáticos consistia em brincar de fotografar sem máquina na mão. Para a minha surpresa, todos os dias eles repetiam aquilo, até que chegou um tempo em que me perguntaram se não iria fotografá-los de verdade”, diz ele, que pretende voltar à comunidade em abril para lançar o livro por lá. “Imagina esses pequenos, hoje com mais de 20 anos, se reconhecendo nessas páginas?”, pergunta, ansioso.

Na publicação, a narrativa visual conta com o reforço de um rap. De autoria da dupla lusitana Fado Bicha, formada por Tiago Lila Fadista e João Caçador, “Lisboa Não Sejas Racista” traduz em versos a mensagem de fortalecimento à luta antirracistas das famílias de Cova da Moura.

“Sempre gostei de trabalhar fotografia e poesia articuladas. Desta vez, achei que algo escrito por alguém de Portugal retrataria muito melhor essa realidade do que versos meus. Quis um rap que fosse incisivo na linguagem de crítica. É um conteúdo que eu considero tão importante quanto as fotos e que é realmente um achado”, diz.

Serviço

Livro “Cova da Moura”, de Maurício Roberto da Silva
Editora Origem, 78 páginas
R$ 80 (preço de lançamento)