No Supremo, André Mendonça terá pela frente casos em que defendeu o governo
Para além das questões processuais, o novo ministro poderá ter que se manifestar em ações nas quais ele atuou do outro lado do balcão como AGU
Mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça terá pela frente casos em que atuou como advogado-geral da União, quando defendia os interesses do governo Jair Bolsonaro e do Executivo federal. Uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) contra quem criticou o presidente, determinação para o governo realizar o Censo 2022 e extinção de conselhos por ato do Executivo estão na lista de processos que podem ter que passar pelo crivo de Mendonça.
A presença de um chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) não é inédita ou incomum na composição do Supremo, que tem entre seus 11 ministros outros dois ex-AGUs: Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Mendonça esteve à frente do órgão de 2019 a 2021, até ser indicado por Bolsonaro ao Supremo. O GLOBO apurou que ele avalia a possibilidade de se declarar impedido nos processos em que a AGU atuou, embora não haja restrição alguma prevista em lei.
Para além das questões processuais, o novo ministro poderá ter que se manifestar em ações nas quais ele atuou do outro lado do balcão como AGU e em outras em que tribunal foi ou tende a ir de encontro aos interesses de Bolsonaro, na prática, o ex-chefe de Mendonça.
Entre elas estão a ação em que o STF obrigou o governo a realizar o Censo em 2022. Embora ela já tenha sido julgada, cabem embargos de declaração (um dos últimos recursos possíveis) à decisão da Corte. Em outro caso, no papel de advogado do Executivo, Mendonça defendeu no STF que fosse derrubada a proposta que institui uma renda básica universal no país, o que geraria gastos à União. Nesse processo já foram apresentados recursos (embargos dos embargos de declaração), e o novo ministro poderá ter que votar.
Na cadeira de magistrado, o ex-AGU também deverá ter que se posicionar no habeas corpus coletivo movido pela Defensoria Pública da União para questionar o uso da Lei de Segurança Nacional em investigações sobre críticas ao governo Bolsonaro. Em abril de 2021, por meio de manifestação enviada ao STF, Mendonça defendeu a validade da lei. A norma, resquício do regime militar, acabou sendo revogada em setembro do ano passado, mas seus efeitos permanecem sendo alvo dos questionamentos no Supremo. O habeas corpus é relatado pelo decano, ministro Gilmar Mendes, e ainda não foi analisado.
Outro caso em que houve a manifestação de Mendonça perante a Corte e que ainda está pendente de julgamento é a ação que questiona a criação da figura do “juiz de garantias”. A medida faz parte do pacote anticrime, aprovado pelo Congresso em dezembro de 2019. Para o então AGU, além de prestigiar a imparcialidade, o juiz de garantias não deve criar despesas para o Judiciário. O tema é alvo de duas ações no Supremo e gera controvérsia entre alas do tribunal.
Em dezembro, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) recorreu ao STF para solicitar o impedimento de Mendonça no julgamento da ação que avaliará a legalidade do decreto de Bolsonaro que extinguiu centenas de conselhos, comitês e comissões das administrações direta e indireta. Ele passou a ser o relator da matéria ao assumir os processos que antes estavam com o ministro Marco Aurélio Mello, mas a Corte ainda não se posicionou sobre o pedido feito pela entidade.
Diante do avanço da nova variante do coronavírus e de uma retomada na adoção de medidas restritivas por parte de estados e municípios neste mês, é possível que o STF volte a ser provocado sobre o tema. Em maio de 2021, Bolsonaro, representado pela Advocacia-Geral da União, na ocasião sob a chefia de de Mendonça, protocolou uma ação contra a adoção de lockdown e toque de recolher impostos por alguns estados e municípios devido a uma onda de Covid-19.
À época, o então advogado-geral da União afirmava que o “intuito da ação é garantir a coexistência de direitos e garantias fundamentais do cidadão, como as liberdades de ir e vir, os direitos ao trabalho e à subsistência, em conjunto com os direitos à vida e à saúde de todo cidadão, mediante a aplicação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da democracia e do Estado de Direito”.
Questionado pelo GLOBO, o STF informou que as causas de impedimento e suspeição de juízes se aplicam em processos de “natureza subjetiva”, aqueles que geralmente envolvem um direito individual. Nos processos questionando leis e outras normas não haveria necessidade de impedimento de magistrado.
Por sua atuação como AGU, Toffoli chegou a se declarar impedido de participar em julgamentos emblemáticos da Corte. Foi o caso, por exemplo, da ação, analisada em 2012, que declarou a constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas com base no sistema de cotas raciais. O ministro se declarou impedido por ter se manifestando favoravelmente às cotas quando era advogado-geral da União. O mesmo ocorreu no caso do ex-ativista Cesare Battisti, em que a AGU sugeriu que o italiano poderia ser vítima de perseguição política se fosse extraditado — e Toffoli ficou fora do julgamento.
O mesmo motivo levou Gilmar Mendes a declarar, em 2002, seu impedimento no julgamento do pedido de afastamento proposto contra os então ministros da Fazenda, Pedro Malan, e da Educação, Paulo Renato. Como AGU do governo de Fernando Henrique Cardoso, o atual decano atuou nos processos.