Talibã reivindica 'direito' de reprimir protestos 'ilegais'
Porta-voz nega que mulheres ativistas tenham sido detidas após participação em manifestação
O novo poder talibã afegão se considera no direito de reprimir dissidentes e prender manifestantes "ilegais", declarou seu principal porta-voz neste sábado (22), em um momento em que cresce a preocupação com o desaparecimento de duas mulheres ativistas.
Em entrevista à AFP, o porta-voz, Zabihullah Mujahid, negou que as duas mulheres tenham sido detidas, mas disse que as autoridades "têm o direito de prender e deter aqueles que infringirem a lei".
"Ninguém deve provocar distúrbios, porque isso perturba a lei e a ordem", alertou.
De acordo com ativistas feministas afegãs, as duas mulheres - Taman Zaryabi Paryani e Parwana Ibrahimkhel - foram presas esta semana em suas casas em Cabul depois de participar de uma manifestação.
A Missão das Nações Unidas no Afeganistão instou o governo a "fornecer informações" sobre o paradeiro de ambas, sem resultado até o momento.
Desde que chegou ao poder em agosto, facilitado pela retirada apressada das tropas norte-americanas, o Talibã recorreu à repressão para tentar conter os protestos, multiplicando os espancamentos de jornalistas e a prisão de críticos.
Nos últimos meses, houve algumas pequenas reuniões de mulheres, cujos direitos melhoraram durante os vinte anos em que o Talibã esteve fora do poder nesta nação muçulmana patriarcal.
Nenhum desses protestos foi autorizado, o que levou Zabihullah Mujahid a afirmar que "em qualquer país essas pessoas teriam sido presas".
"Não permitimos atividades ilegais", enfatizou o porta-voz do Emirado Islâmico do Afeganistão.
Funcionários "novatos"
O Talibã se absteve de adotar medidas em nível nacional que pudessem incomodar a comunidade internacional e bloquear o fluxo de fundos vindo do exterior para aqueles que precisam urgentemente de ajuda.
Mas as autoridades provinciais emitiram diretrizes e decretos baseados em interpretações locais da lei e tradições islâmicas que restringiram os direitos das mulheres.
As estudantes do ensino médio não puderam retornar às escolas nas províncias, onde muitas universidades fecharam, e as mulheres foram impedidas de trabalhar na administração pública.
As mulheres que fazem viagens longas também devem ser acompanhadas por um parente do sexo masculino, e placas nas ruas ordenam que usem a burca, um véu que cobre todo o rosto com uma rede de pano sobre os olhos.
Na província de Bagdis (noroeste), a polícia religiosa ameaçou atirar em mulheres que trabalham para ONGs se elas não usarem burca, informaram funcionários da entidade na sexta-feira.
Mujahid, que também ocupa o cargo de vice-ministro da Cultura e Informação, minimizou essas ameaças e intimidações, alegando que essas forças regionais eram compostas de "novatos (...) e não muito profissionais".
"Eles não têm treinamento", justificou.
Negociações na Noruega
Mujahid insiste que o novo regime apoia os direitos das mulheres, mas estes são interpretados à luz da lei islâmica.
"Mesmo sem essas exigências [da comunidade internacional], vemos a necessidade das mulheres trabalharem e receberem educação", disse, sem adiantar uma data precisa para a reabertura dos centros educacionais.
Isso vai acontecer "no ano que vem", mas "não podemos marcar uma data", devido a problemas econômicos e à inexperiência das novas autoridades, explicou.
Uma delegação do governo talibã, chefiada pelo chanceler do Afeganistão, Amir Khan Muttaqi, viajou neste sábado à Noruega para se reunir entre segunda e quarta-feira com autoridades dos Estados Unidos, da União Europeia e de outras nações das quais espera apoio financeiro, bem como com representantes da sociedade civil afegã com a presença de mulheres.
Esta será a primeira visita do Talibã a um país ocidental desde que chegaram ao poder.
Desde então, a situação humanitária deteriorou-se visivelmente.
A ajuda internacional, que representava 80% do orçamento afegão, cessou e os Estados Unidos congelaram 9,5 bilhões de dólares que o Banco Central afegão tem no exterior.
A fome ameaça atualmente 23 milhões de afegãos, 55% da população, segundo a ONU, que pede 5 bilhões de dólares este ano para conter a crise.
"O Emirado Islâmico tomou medidas para atender às demandas do mundo ocidental e esperamos fortalecer as relações diplomáticas com todos os países", concluiu Mujahid.