Saúde

Documento de secretaria chefiada por 'Capitã Cloroquina' foi base de nota antivacina do Min da Saúde

Nota técnica usou como base requerimento feito pela secretaria comandada por Mayra Pinheiro

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como capitã cloroquina - Walterson Rosa/MS

A Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS), chefiada por Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina", teve participação no documento do Ministério da Saúde que relativizou a eficácia de vacinas contra Covid-19, ao mesmo tempo em que assegurava a eficácia da hidroxicloroquina.

A nota assinada pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, na qual há afirmação de que vacinas não têm efetividade contra Covid-19, mas hidroxicloroquina tem, usou como base requerimento, cujo cabeçalho traz a assinatura da SGETS, comandada por Mayra Pinheiro. O documento foi encaminhado a Angotti em novembro.

O requerimento da SGETS afirma que há exigência "desproporcional" entre as tecnologias analisadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e anexa tabela na qual há comparação entre vacinas e hidroxicloroquina, com posição favorável ao medicamento cuja ineficácia é comprovada.


O argumento é de que não houve o mesmo rigor científico por parte do grupo técnico que elaborou o protocolo para avaliar todas as tecnologias usadas no combate à doença. A mesma tabela foi usada por Angotti em nota de sua secretaria, a SCTIE. A manifestação de Angotti foi publicada para justificar seu veto a protocolo aprovado pela Conitec, que contraindicou o uso do Kit Covid para tratamento de pacientes não internados.

Ao GLOBO, a secretária Mayra Pinheiro afirmou que a nota "foi oriunda de todas as secretarias" e que a tabela não pode ser descontextualizada.

O documento com origem na secretaria de Pinheiro foi enviado ao secretário da SCTIE por cinco representantes do Ministério da Saúde na Conitec em 22 de novembro, entre a primeira votação sobre o protocolo que contraindica o uso ambulatorial do "kit Covid" , que terminou empatada no colegiado; e a segunda votação, que ocorreu no início de dezembro, quando o grupo saiu derrotado e a comissão aprovou as diretrizes.

Após receber o documento, a SCTIE encaminhou o requerimento para o gabinete do Ministro, a Consultoria Jurídica, e a Diretoria de Integridade da pasta, "para ciência".

O ofício com o requerimento foi enviado a Angotti "para conhecimento e providências que se fizerem pertinentes" por Vinicius Nunes Azevedo (diretor do Departamento de Gestão do Trabalho em Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde); Alessandro Glauco dos Anjos de Vasconcelos (secretário-executivo adjunto da Secretaria Executiva); Maira Inez Pordeus Gadelha (chefe de gabinete  da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde); Lana de Lourdes Aguiar Lima (coordenadora-geral de Ciclos da Vida Secretaria de Atenção Primária à Saúde); e Rodrigo dos Santos Santana ( Diretor do Departamento de Determinantes Ambientais da Saúde Indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena).

— Não fui a representante da SGTES na Conitec. Estive ausente do processo para evitar acusação de conflito de interesse por defender de forma intransigente a autonomia médica. A nota foi oriunda de todas as secretarias. A tabela não pode ser descontextualizada e quem assim o fez agiu de forma desonesta e inconsequente — afirmou a secretária Mayra Pinheiro ao GLOBO.No último sábado, veio a público o trecho antivacina e pró-cloroquina da nota assinada por Hélio Angotti Neto.

Na manifestação, o secretário critica o protocolo aprovado pela Conitec e afirma que há assimetria no "rigor científico dedicado a diferentes tecnologias". Nesse momento, cita a tabela que compara hidroxicloroquina com vacina e outras tecnologias, como ventilação não invasiva, e manobra de prona (colocar o paciente de bruços). 

O quadro indica a vacina como uma tecnologia sem efetividade e segurança comprovadas, com alto custo e financiada pela indústria. No caso da hidroxicloroquina, as respostas são opostas. O texto contraria posição da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de especialistas na área.

A aprovação das Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid-19 foi imersa em polêmicas desde o início de sua apreciação na Conitec. Após empate na primeira votação, o protocolo técnico foi submetido a uma consulta pública e, depois,  a uma nova votação.

No segundo pleito, as diretrizes foram aprovadas com voto da Anvisa, da  Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do Conselho Nacional Saúde (CNS); do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass); do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems); da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério; e da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério.

O voto de Vânia Canuto, representante da SCTIE, em favor do relatório científico que desaprovava o Kit Covid fez com que Angotti tentasse exonerar a subordinada, mas a demissão acabou não prosperando. Além do Conselho Federal de Medicina (CFM), votaram contra o protocolo justamente os representantes das secretarias que enviaram o requerimento com posições antivacina e pró-cloroquina a Angotti.

Durante conversa com jornalistas na segunda-feira, o ministro Marcelo Queiroga, falou sobre o tema, mas evitou criticar a postura expressa na nota técnica do ministério.

— Há uma portaria do gabinete do ministro que incorpora as vacinas com registro definitivo na Anvisa. Os fatos são mais importantes que as narrativas. Havendo recurso para o ministro, o ministro vai analisar dentro dos autos — disse Queiroga.O GLOBO questionou o Ministério da Saúde sobre os documentos, mas não obteve resposta.