ENTREVISTA

'Desigualdade educacional vai aumentar entre países e dentro deles', diz pesquisadora

A pesquisadora ainda analisa as mudanças na educação causadas pela pandemia e afirma que o ensino digital é uma preocupação por ser a nova fronteira de desigualdades na escola

Estudo à distância - Álvaro Henrique/Secretaria de Educação do DF

Adiado por causa da pandemia, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), maior teste de Linguagens, Matemática e Ciências do mundo, a ser realizado em 2022, mostrará um aumento na desigualdade entre países e dentro deles, avalia Tracey Burns.

Ela é chefe de pesquisa do Centro de Pesquisa e Inovação Educacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que convidou ontem o Brasil a dar início ao processo formal de adesão ao bloco.

Burns conversou com O Globo em Doha, no Qatar, durante a Cúpula Mundial de Inovação para a Educação (Wise, na sigla em inglês). Na entrevista, a pesquisadora canadense ainda analisa as mudanças na educação causadas pela pandemia e afirma que o ensino digital é uma preocupação por ser a nova fronteira de desigualdades na escola.

 

É possível prever o impacto da pandemia no próximo Pisa?

Essa é a questão que todos querem saber (risos). Honestamente, não sei. Existem algumas possibilidades interessantes. Uma é que a gente veja os mesmos resultados. Se você olhar para os países com melhores notas, são os asiáticos, que foram muito impactados pela Covid, mas conseguiram controlar a pandemia relativamente bem e seguir em frente enquanto o mundo ainda tinha problemas. E também tem países como Estônia, Nova Zelândia e Canadá, que foram muito bem, e lideram os rankings. Por outro lado, temos o exemplo da Suécia, cujo sistema de saúde decidiu fingir que não havia uma doença nova, deixou as escolas abertas o tempo todo e, se eles forem muito bem, esse pode ser um argumento de que manter as escolas abertas normalmente foi um acerto. Mas honestamente não sei o que pode acontecer.

Mas você acha que pode aumentar a desigualdade?

Sim, com certeza. Entre países, mas também dentro dos países. Existem três fatores para analisarmos o impacto do aprendizado digital: Quem tem acesso? Se você tem acesso, quem tem as habilidades para usar? E quem tem pais que podem ajudar as crianças com as tarefas que estavam sendo feitas apenas em casa? Nós já sabemos por antigos resultados do Pisa que crianças entre países e dentro dos países que menos têm acesso são as que menos têm as habilidades e as que menos têm pais que podem ajudá-las se tiverem problema. Estou muito preocupada com esse aumento da desigualdade.

Como a pandemia mudará a educação no mundo?

Em três coisas. A educação ficará mais confortável com o digital. Não 100% das aulas digitais, mas novas formas de estudar e novas plataformas serão adotadas. E também conectando famílias e professores digitalmente. A segunda é que vamos questionar as formas de avaliação. Durante os últimos cem anos, foi usado o mesmo modelo que acabou sendo alterado em 2020. E isso abre uma oportunidade. O que acontecerá depois, não tenho certeza. Mas pode haver mudanças. A última coisa é que acho que muitas pessoas entenderam que a escola é uma importante instituição social.

A entrada com mais força do digital é positiva?

Não tenho certeza. Acho que é uma boa mudança porque nosso mundo está se encaminhando para um lugar em que o digital é realmente indispensável para nossa vida. E se você não pode participar, há risco de exclusão. Isso é parte do processo democrático de ser um cidadão. E a educação precisa acompanhar isso. Minha preocupação é que algumas vezes a mudança é superficial, não são bem adaptadas e ainda é possível ver diferenças entre as crianças que têm essas habilidades, com bons professores e equipamentos, e aquelas que lutam com professores que também não têm as habilidades, sem ferramentas. É uma nova forma de fratura social, de desigualdade na escola.

O Pisa vai mudar algo para analisar tópicos específicos impactados pela pandemia?

O Pisa 2021, originalmente planejado, já tinha mudanças que modernizaram os questionários e contemplavam a implementação de tecnologia na educação, independentemente da pandemia. Além disso, introduzimos um módulo a respeito da pandemia que cada país pode escolher responder.