Livro do poeta Claufe Rodrigues traz personagens com dilemas idênticos à realidade brasileira

Obra do escritor e jornalista Claufe Rodrigues percorre realidades paralelas que exercitam uma série de estilos literários

No livro de contos do poeta e escritor Claufe Rodrigues paira um questionamento. O que um escritor frustrado, um psicanalista tarado, um cantor de bar, um par de detetives, uma solteirona assanhada, duas amigas descoladas, uma adolescente virgem, entre outros personagens, têm em comum além do medo da morte? São essas figuras fictícias que conduzem a publicação “No Bico do Corvo”, numa espécie de fábula da vida real, recém-lançada pela editora Patuá.



Referência à pandemia
As páginas abrigam 16 contos que vão do gótico ao lírico, do realismo ao sobrenatural, e até mesmo da tragédia à comédia, por meio de histórias que plantam pistas ao longo da narrativa. Segundo o autor, o  livro é sobre o comportamento das pessoas quando elas são submetidas a um isolamento involuntário, a uma situação limite, como acontece com a atual pandemia. Não à toa, a inspiração veio entre abril e setembro de 2020, além dos meses de revisão dos textos.

“São personagens inteiramente fictícios, mas profundamente identificados com a realidade brasileira, embora a história se passe em um país sem nome. Criei, digamos, realidades paralelas e pude exercitar uma série de estilos do romance policial ao realismo fantástico, com cuidado de padronizar a linguagem, para não criar ruídos na leitura”, defende o autor, com a experiência de quem já participou dos principais grupos de poesia do Rio de Janeiro, além de possuir uma carreira reconhecida como diretor e apresentador de programas sobre literatura na televisão brasileira.

No contexto do autor
Claufe trabalhou na Globonews até o início de 2020, quando seu programa de literatura saiu da grade de programação. “Como nos últimos anos eu estava intoxicado de jornalismo, trabalhando full time, para oferecer um produto de qualidade aos que, como eu, amam a literatura, ao sair da TV eu só queria saber de ficção, estava seco por escrever e feliz por poder dedicar mais tempo à literatura”, lembra, destacando ainda o tsunami do Coronavírus invadindo o mundo. “A minha geração, e as que vieram posteriormente a ela, jamais passaram por uma experiência traumática como essa. Eu não pude fugir do assunto. Mas quero sublinhar: os personagens e as histórias não são reais”, reforça.

Mesmo com dez publicações feitas desde a década de 1970, este é o seu terceiro livro de ficção e o primeiro de contos. “Faltava na minha bibliografia um livro de contos que, para mim, é o gênero mais difícil de todos, porque fica no meio do caminho, entre a poesia e o romance. Tem que ter a concisão da poesia e a estrutura ficcional do romance, mas, ao mesmo tempo, utiliza elementos de composição distintos, tanto da poesia quanto do romance. Então, posso dizer que 'No Bico do Corvo’ expande um pouco mais o domínio da minha poética no campo da prosa”, resume.

Estrutura da narrativa
Uma característica interessante na obra é que o público começa lendo um livro de contos e termina se deparando com um romance, porque ao longo da narrativa, as histórias começam a se entranhar cada vez mais e a se estranhar também. Um personagem aparece ali e surgem diversas pistas em direção à leitura.

“Os elos da cadeia dos acontecimentos vão se fechando. Para mim, a melhor literatura é uma espécie de jogo, que o escritor compartilha com cada leitor. Quis propor um jogo que desafiasse a inteligência, aguçasse a imaginação, provocasse risos e questionamentos sobre a nossa precária situação atual. Eu fiquei feliz com o resultado, vamos ver se o público também”, diz. Longe de ser uma leitura pedragosa, cada linha tem um sentido e um desfecho. Com isso, já é possível absorver o básico da história. No entanto, os mais atentos vão perceber camadas psicológicas e literárias, que completarão a experiência com a obra.

SERVIÇO
Livro: "No Bico do Corvo"
Editora: Patuá
Autor: Claufe Rodrigues
Valor médio: R$ 45