AGU tentou retirar Moraes da relatoria de processo que apura se Bolsonaro vazou dados sigilosos
Augusto Aras se manifestou pela continuidade do inquérito nas mãos do ministro
Em recurso encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou que o inquérito que apura vazamento de documentos sigilosos, por parte do presidente Jair Bolsonaro, fosse retirado das mãos do ministro Alexandre de Moraes.
Ele é o relator de vários processos que têm Bolsonaro e aliados como alvos no STF, e vem tomando decisões que têm trazido dor de cabeça ao presidente. A tentativa da AGU, que representa Bolsonaro nos inquéritos em que ele é investigado, não deu certo, e o processo continua com Moraes.
Bolsonaro é investigado pela divulgação de informações de um outro inquérito, em que a Polícia Federal apura um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O presidente tornou as informações públicas com o objetivo de atacar a credibilidade das urnas eletrônicas, embora não houvesse relação do ataque com o funcionamento das urnas. Em relatório de novembro, mas tornado público semana passada, a delegada Denisse Dias Ribeiro, da PF, afirmou que Bolsonaro teve "atuação direta, voluntária e consciente" na prática do crime de violação de sigilo funcional.
No STF, a investigação sobre o vazamento foi distribuída a Alexandre de Moraes por meio do mecanismo da "prevenção", que é quando um ministro já conduz alguma investigação correlata. A apuração foi parar nas mãos de Moraes porque o ministro é quem toca, no STF, uma apuração semelhante, o chamado inquérito das fake news.
Em 17 de agosto do ano passado, o AGU, Bruno Bianco, pediu uma reconsideração por parte de Moraes para que o processo fosse redistribuído por meio de sorteio. O advogado-geral sustentou que a notícia-crime, apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente, no máximo guardaria “semelhança” com o inquérito número 4781, que é o inquérito das fake news.
“A notícia-crime encaminhada pelo TSE não está relacionada ao contexto investigado no Inquérito n. 4.781-DF, não sendo possível a sua distribuição por prevenção”, defendeu a AGU, citando o número do inquérito das fake news.
Bianco também contestou o fato de a investigação ter sido instaurada sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fosse instada a se manifestar nos autos. “Em adição, é patente a nulidade de investigação instaurada sem a oitiva prévia da Procuradoria-Geral da República, a quem compete oficiar obrigatoriamente na fase pré-processual da persecução penal”.
A PGR foi oficiada no dia 13 de agosto, tendo recebido o prazo de uma semana para se manifestar. Em 18 de agosto, a PGR encaminhou parecer ao STF, assinado por Augusto Aras, opinando pela continuidade das investigações – conforme noticiado nesta segunda-feira pelo colunista do GLOBO, Lauro Jardim. “É pertinente a adoção das diligências já determinadas na decisão pela qual instaurado o inquérito, bem como de outras, abaixo indicadas, que ao ver do Ministério Público, na qualidade de titular privativo da ação penal de iniciativa pública, podem contribuir com a elucidação dos fatos noticiados”, destacou Aras.
No dia 13 de outubro, Augusto Aras se manifestou especificamente pela continuidade das investigações nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, impondo derrota ao pleito da AGU. Também assinado por Aras, esse documento diz que” há uma potencial área de intersecção entre os procedimentos investigatórios apta a justificar a reunião dos inquéritos sob uma mesma relatoria, na medida em que os elementos informativos neles colhidos proporcionam uma elucidação da verdade dos fatos em exame. Também não prospera a alegada nulidade da instauração do inquérito sem prévia oitiva da Procuradoria-Geral da República”.
Na última sexta-feira, estava marcado o depoimento de Bolsonaro no inquérito, mas ele não foi, contrariando decisão de Alexandre de Moraes. Em 29 de novembro do ano passado, quando decidiu pela primeira vez sobre a necessidade de o presidente ser ouvido, o ministro do STF destacou que, segundo informado pela própria PF, o depoimento de Bolsonaro era "medida indispensável ao completo esclarecimento dos fatos investigados".
Em dezembro, Moraes determinou que o depoimento deveria ocorrer até o dia 28 de janeiro de 2022, ou seja, até a última sexta. Como AGU não se manifestou sobre uma data, Moraes determinou que o presidente deveria ser ouvido na sexta.
A divulgação de que Bolsonaro teria que falar até 28 de janeiro saiu na imprensa quando o inquérito ainda estava sob sigilo. Assim, na semana passada, a AGU pediu que o STF determinasse à PGR a investigação do vazamento da informação. Moraes ainda não analisou esse pedido.
"O ocorrido [divulgação da data limite para prestar depoimento] repercute em constrangimentos ao Senhor Presidente da República, uma vez que cria expectativa e interesse da imprensa, que já lhe aborda com perguntas para maiores detalhes sobre a aludida oitiva e aspectos correlatos do inquérito, ampla publicidade que tem o condão de romper com a presunção de inocência, ou mesmo ser objeto de incompreensões pela sociedade civil, que não domina detalhes técnicos do Direito Processual Penal e do Sistema Acusatório a repercutir, até mesmo, em pré-julgamentos e prejuízos que não se pode, ainda, mensurar", diz trecho de documento da AGU assinado por Bruno Bianco em 26 de janeiro de 2022.