Opinião

Quinhentos anos de cana-de-açúcar no Nordeste

Registro com muita honra o convite dos produtores de cana-de-açúcar do Nordeste, para coordenar a iniciativa de edição de livro comemorativo do bicentenário da Independência do Brasil, com foco nos quinhentos anos da atividade agroindustrial canavieira, principal protagonista de nossa história. Envolvendo aspectos, sociais, políticos, econômicos e estratégicos, a cana-de-açúcar e sua gente prestaram e continuam contribuindo para o processo de desenvolvimento regional e nacional.

A iniciativa dos produtores de cana, através da Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco e da Unida - União Nordestina dos Produtores de Cana, em editar o referido livro, é gesto da maior importância, tanto para os agentes públicos e privados, direta e indiretamente envolvidos com a atividade canavieira, quanto para a sociedade como um todo, ressaltando os inúmeros benefícios decorrentes da multissecular cultura, como pilar de sustentação econômica e social para o Brasil e, em especial, para o povo nordestino.

Congregando mais de um milhão de postos de trabalho no campo e na indústria, distribuídos por cerca de duzentos municípios canavieiros em oito estados do Nordeste, com população diretamente afetada superior a oito milhões de habitantes, ou aproximadamente dez por cento da população regional, o cluster canavieiro, composto por cinquenta unidades produtoras de açúcar, etanol e energia limpa e renovável, e cerca de vinte mil produtores de cana, está voltado tanto para o mercado interno quanto para a exportação, contando com logística privilegiada distando em média apenas 65 quilômetros do polo produtor para os portos de escoamento, o que nos confere importante vantagem comparativa em relação ao Sudeste e Centro Oeste.

Os registros históricos que se pretendem abordar no livro mostrarão a importante vocação da cana-de-açúcar como geradora de emprego e renda para o povo nordestino, carro-chefe de nosso processo de desenvolvimento e que gerou a cobiça de outras nações, com destaque para a Holanda que, em meados do séc. XVII , se apoderou do litoral nordestino, atraída pela produção de açúcar, permanecendo aqui durante mais de trinta anos, afora outras incursões europeias do gênero ocorridas na Bahia e no Rio de Janeiro.

Considerando o farto acervo literário sobre a importância do açúcar e sua matéria prima durante quinhentos anos de história, constante da obra de vários e destacados escritores, a exemplo de Pereira da Costa, Gilberto Freyre, Leonardo Dantas, Frederico Pernambucano de Mello, Gileno de Carli, e tantos outros que abordaram magistralmente a temática canavieira sob vários ângulos do observador, olhando de fora para dentro do setor agroindustrial, desta feita tentaremos, com base nos registros internos das entidades de classe dos trabalhadores, dos produtores de cana e dos industriais processadores, bem como dos órgãos públicos envolvidos com a atividade, fazer um resumo autocrítico, vendo o setor de dentro para fora, revelando o sentimento dos produtores e dos seus trabalhadores, seus problemas, a consciência de suas virtudes, de sua importância política e responsabilidade econômica e social, ontem e hoje, da Colônia à República.

A referida edição abordará, dentre outros momentos de nossa história, os principais acontecimentos do passado, mas também do presente, tais como: nos anos 30 do séc. XX, a criação do IAA, Instituto do Açúcar e do Álcool no Governo Vargas em 1933, a primeira de nossas agências reguladoras; em seguida, nos anos 40 o “Estatuto da Lavoura Canavieira de 1941, de autoria do dr. Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco, então presidente do antigo IAA; na sequência, a Lei 4870 de 1965, sob a égide do governo militar, disciplinando a interação entre os agentes setoriais envolvidos; em seguida, a criação do Proálcool, em 1975, no governo Geisel, como mecanismo estratégico de proteção do setor e sua contribuição para mitigar os efeitos da crise do petróleo de 1973; adiante, no final dos anos 80, a extinção do IAA (1989), acompanhada da privatização da exportação de açúcar, a importância econômica e social para Pernambuco dos projetos “Prorenor e Proresul” para fazer face à tragédia da seca de 2001/2002, com desativação de usinas e centenas de fundos agrícolas de fornecedores de cana, ocasionando a perda de milhares de postos de trabalho na Zona da Mata canavieira.

Vale lembrar o recente episódio de reativação de usinas que se encontravam paralisadas e em processo de recuperação judicial, através de modelo bem sucedido de arrendamento a cooperativas de Fornecedores de Cana, com o apoio e incentivo do Governo Estadual, permitindo a restauração de mais de 12 mil postos de trabalho no campo e na industria, em Pernambuco e Alagoas, e recentemente o “Renovabio”, viabilizando novos créditos para o setor através da captura de carbono no processo de despoluição ambiental.

Não podemos deixar de registrar o engajamento do setor no combate à pandemia da Covid, com a produção do álcool em gel e de 70º para proteção da população regional.

A independência do Brasil celebrada pelos produtores na iniciativa da edição de livro, registra e perpetua o reconhecimento ao setor, no protagonismo da nossa história, no processo de desenvolvimento que levou à independência econômica, social e política que agora comemoramos.


*Consultor de empresa
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