JUSTIÇA

Caso Moïse: omissões e desculpas marcam investigação com razões fúteis por parte dos agressores

Até o momento, três homens foram presos pela morte do congolês no dia 24 de janeiro

Moïse Mugenyi Kabagambe - Reprodução / Agência O Globo

A morte por espancamento do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, na semana passada, no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, está cercada por uma sequência de omissões e por desculpas inconsistentes dos autores do crime presos até agora, que tentaram desqualificar a vítima em seus depoimentos na delegacia. Se três atacaram cruelmente a vítima por cerca de 15 minutos, pelo menos outras quatro pessoas assistiram à brutalidade. O 190 não foi acionado, e policiais do 31º BPM (Recreio), numa ronda, só pararam para verificar o que ocorria porque viram uma ambulância no local. Foi um dos três agressores, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, que chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

"É normal alguém ver uma pessoa apanhando e não fazer nada? Quando eu passo na rua e vejo uma pessoa passando mal, eu compro uma água para ajudar. Tento fazer alguma coisa. Vendo aquela cena (as imagens da câmera do Tropicália, que mostram os três batendo em Moïse e outras pessoas assistindo) parece que, indiretamente, eles participam da morte do meu filho. Não me conformo", desabafou a comerciante Lotsove Lolo Lavy Ivone, mãe de Moïse, ao chegar ontem à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).

O empresário Fernando Mupapa, tio de consideração de Moïse, ressaltou que a família quer que tanto os agressores quanto os que assistiram passivamente ao espancamento sejam punidos:

"Quem assiste a uma pessoa em perigo e nada faz é coparticipante do crime. Eu sinto descaso e falta de humanidade nas pessoas. Não se trata nem um cachorro assim. Somos pretos, africanos, e não sub-humanos. O Rio é uma cidade maravilhosa e não pode se sujar com atitudes como essa".

Conhecido com Dezenove, Aleson alegou que bateu em Moïse com socos, e depois com um taco de beisebol, para “extravasar a raiva que estava sentindo” do congolês, pois ele estaria “perturbando havia alguns dias”. Ele, Fábio Pirineus da Silva, o Belo, e Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota, deram a desculpa de que Moïse estaria alcoolizado e que tinha um histórico de confusões com outros funcionários e banhistas. Afirmaram ainda que a briga teria sido iniciada pelo fato de o congolês querer consumir bebidas de graça. Segundo a família, porém, Moïse fora cobrar um suposto pagamento atrasado do dono do estabelecimento.

Já o advogado Rodrigo Mondego, que defende a família do congolês, rebateu a tentativa de culpar a vítima.

Outro a prestar depoimento foi o proprietário do Tropicália, Carlos Fabio da Silva Muzi, que não estava no quiosque no momento do espancamento. Disse que, no dia 19 de janeiro, cinco dias antes do assassinato, teria pedido ao congolês que fosse embora do serviço, porque estaria embriagado e não admite esse tipo de comportamento de funcionários. Ele afirmou que não devia nada a Moïse. Ainda segundo o comerciante, logo após o crime, Belo telefonou perguntando se as câmeras no quiosque estavam gravando. Muzi contou à polícia ter dito que não.

Também esteve na DHC um casal de namorados que testemunhou a agressão. A jovem, que aparece no vídeo após as agressões, disse ter chamado dois guardas municipais, em ronda na praia, que não teriam ido averiguar a denúncia.

Belo e Totta trabalhavam em barracas na areia. Dezenove era funcionário do quiosque vizinho ao Tropicália. A Justiça decretou as prisões temporárias dos três agressores, acusados de homicídio duplamente qualificado.

Ao dar parecer favorável ao pedido de prisão feito pela DHC, a promotora Bianca Chagas ressaltou a crueldade do crime. “Frise-se, ainda, que as imagens comprovam toda a ação delituosa em seu mais alto grau de crueldade, perversidade e desprezo pela vida”, escreveu ela.

*Participaram da cobertura: Carolina Heringer, Flávio Trindade, Luã Marinatto, Paolla Serra, Marcos Nunes, Rafael Nascimento de Souza e Selma Schmidt