Saudade

Chico Science: 25 anos sem o 'cidadão do mundo' catalizador da cultura de Pernambuco

Conheça um pouco da trajetória do artista que liderou uma verdadeira revolução cultural em Pernambuco e confira relatos de quem conviveu com ele

Chico Science morreu no dia 2 de fevereiro, há 25 anos - Tasso MArcelo/ Agência Estado / Arquivo Folha de Pernambuco

Ao longo da história da música brasileira, alguns personagens são tão marcantes que não há como não reverenciá-los. Chico Science certamente foi um deles, dada a contribuição que deixou para a cultura pernambucana, da qual foi embaixador mundo afora. 

Nesta semana, exatos 25 anos depois de sua partida precoce por acidente de carro em Olinda, homenagens foram dedicadas ao artista que ajudou a criar o Manguebeat, movimento que influenciou e continua sendo referência para as gerações que o sucederam. Em homenagem ao eterno “cidadão do mundo”, no dia 2 de fevereiro, data de sua morte, o Governo de Pernambuco rebatizou o Teatro Guararapes para Teatro Guararapes Chico Science

Onde tudo começou
Francisco de Assis França nasceu no dia 13 de março de 1966, no Recife, mas viveu sua infância e adolescência inteira no bairro de Rio Doce (Olinda), onde conheceu seu amigo e companheiro de Nação Zumbi, Jorge Du Peixe, cantor e compositor e atual vocalista da banda. “As lembranças são das melhores possíveis. Conheço Chico antes de se tornar Science, era ‘Chico Maneiro’, ‘Chico Vulgo’ e tantos outros nomes, dançando break na Legião Hip-hop e já catalizando tudo isso”, lembra Du Peixe. 

Jorge conta que Chico Science era um “rato de sebo”, catando e garimpando informações do mundo em discos de vinil e fitas-cacete. Seus achados eram pequenas peças de informação para que tudo fosse fomentado a médio e longo prazos, desde o primeiro Manifesto Manguebeat que surgiu como um release de uma festa e depois foi encartado no disco Da Lama ao Caos, construído em parceria com outras bandas como a Mundo Livre S/A. “Foi um grito em conjunto, mas que Chico, pode-se dizer, foi uma antena forte em meio a tudo isso”, destaca Jorge. “Eu acho que está aí o seu legado. Duas pedras fundamentais, o ‘Da lama ao caos’ e, na sequência, o ‘Afrociberdelia’ e a Nação ainda acesa, latente, viva, na ativa, gritando ainda”, pontua.


Jorge du Peixe e Chico Science


“Chico é um cara que faz muita falta no cenário atual, até porque ele tinha uma personalidade de liderança, de ser um catalizador. Ele tinha um poder, com seu carisma, generosidade, com seu espírito acessível e empatia, de aglutinar boas vibrações, de estar sempre antenado com o futuro”, afirma Fred Zero Quatro, vocalista da Mundo Livre S/A.

“Ele conseguiu com pouquíssimos recursos que ele dispunha na periferia de Olinda, Peixinhos e Água Fria, em um ambientes de muita precariedade - aglutinar energias e revolucionar o cenário cultual da cidade. Em termos de legado para as futuras gerações, eu diria que o ícone que ele representa, principalmente para as periferias aqui do Nordeste, é semelhante ao de Bob Marley na Jamaica. Um ícone da resistência à opressão e à situação de exclusão social”, completa Fred.


Fred Zero Quatro, vocalista da Mundo Livre S/A

Antena da periferia, cidadão do mundo
Fã da música de James Brown e Kurtis Blow, representantes do soul-music e do hip-hop norte-americano, em 1987, Chico formou seu primeiro grupo musical, o “Orla Oribe”, um conjunto de black music, que acabou antes de completar um ano. Em seguida, criou a banda “Loustal” (homenagem ao quadrinista francês Jacques de Loustal), que fazia uma mescla do rock dos anos 60 com o soul, o funk e o hip-hop. Em 1991, Chico Science conheceu o grupo afro de percussão de Olinda “Lamento Negro. Com a fusão do Loustal e o Lamento Negro surgiu ao grupo “Chico Science e Lamento Negro”, que depois foi batizado com o nome “Chico Science & Nação Zumbi”.

 



Em um vídeo raro de uma entrevista para a TV Viva ao lado do também fundador da Nação Zumbi, o percussionista Gilmar Bola 8, Chico conta como começou a fazer as experiências usando os ritmos da tradição de matriz africana em Pernambuco. “Quando conheci Gilmar, ele me convidou para a gente ir até o Daruê Malungo, em Chão de Estrelas, que era um centro de apoio às crianças carentes da comunidade. E ali, a gente começou as misturas, fazer as experiências, a juntar as músicas. Aí conheci Mestre Meia Noite, que é o presidente do Daruê Malungo e começamos a fazer essas misturas, envenenar, colocar guitarra pesada e botar os maracatus e coco de roda”, relata Chico.

“Chico conseguiu compreender dos ritmos negros, da importância da música negra na música pernambucana. Ele viu que a música que ia fazer ele andar era a música africana, era a resistência, o tambor, o maracatu, a ciranda, os mestres de maracatu da Zona da Mata”, avalia Gilmar, que aponta para a influência do artista nos jovens de baixa renda. “Chico revolucionou o modo de pensar do jovem das periferias e do subúrbio do Recife. Estava muito distante naquela época, nos anos 80, saindo da ditadura, de um jovem da periferia, um jovem de favela pensar em ser musico e viver de música, de viver do mundo pop, de subir no palco”, lembra.


Gilmar Bola 8, um dos fundadores da Nação Zumbi