Zoom

Exposição em redes sociais e programas como BBB estimulam busca por visibilidade e 'vida de artista'

Com 'pipocas' e 'camarotes', realities e interações virtuais facilitam acesso a famosos. Influenciador recifense Gabryell Urlan fala sobre sucesso nas mídias digitais.

Big Brother Brasil 22 - Reprodução/Instagram

Vista aqui fora como uma das favoritas ao prêmio de R$ 1,5 milhão em disputa nesta 22ª edição do Big Brother Brasil (BBB 22), Linn da Quebrada foi o elemento central das imagens que encerraram o programa ao vivo de 24 de janeiro.

Naquela noite, ao fim da dinâmica do “Jogo da Discórdia” em que os participantes tinham de montar o próprio “pódio”, revelando quem eles desejavam nos segundo e terceiro lugares da final caso saíssem vencedores, a atriz e cantora de 31 anos deixou os “brothers” e “sisters”, que conversavam na sala, e saiu à varanda, onde abriu uma caixa que estava em cima da mesa, da qual tirou um cigarro, e ficou a fumar sozinha. Assim como outros três confinados - Arthur Aguiar, Jade Picón e Naiara Azevedo -, ela não tinha sido escolhida para nenhum dos “pódios” montados.

“Aquilo ali foi cena de filme”, elogiou o youtuber Ciro Hamen em vídeo postado três dias depois no canal “O Brasil que deu certo”, dedicado a acompanhar, junto a uma multidão de 176 mil inscritos, as novidades do entretenimento brasileiro, especialmente os fenômenos televisivos.

Bem possível que o gesto de Lina tenha sido espontâneo, sem a intenção, pelo menos consciente, de gerar um apelo diante das câmeras que a exibiam ao País inteiro, mas a imagem repercutiu, quase que instantaneamente, nas redes sociais, em particular, o Twitter. Ali se entendeu o recado: a participante se sentia só dentro da casa. E, assim, atraía atenção fora dela, tendo não apenas o corpo e o rosto, mas até supostos pensamentos e sensações, sob a vigília constante de milhões de pessoas.

Hiperexposição cibernética
O desejo pela fama - aqui é fácil lembrar outro exemplo do BBB 22, o do primeiro eliminado da edição, Luciano, que viralizou depois de afirmar que queria “ser famoso nível Beyoncé” -  e o interesse pela vida de artistas e celebridades não são um fato novo.
 

Roberta Melo (Foto: Cortesia)

Eles existem desde que o mundo é mundo, mas se intensificam à medida que a tecnologia torna mais fácil o acesso à informação e mais rápida a troca de ideias, chegando à era das redes sociais com um impacto imenso no cotidiano da sociedade. Afinal, o que faz algumas pessoas quererem se expor tanto na internet e, ao mesmo tempo, monitorar o que os ídolos fazem e pensam no dia a dia? 

A socióloga Roberta Melo, professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), recorda um termo, cunhado pelo escritor francês Guy Debord (1931-1994), que descreve bem essa característica da modernidade: “sociedade do espetáculo”

“Essa hiperexposição nas redes e até o formato dos realities, com o ‘pay-per-view’ mais disseminado e páginas do Instagram, se potencializaram, e a gente vê esse fascínio de observando o outro se reatualizando de várias maneiras”, analisa a pesquisadora, que percebe ainda que o acesso facilitado à comunicação com pessoas influentes estimula mais gente a se expor e performatizar uma conduta mais parecida com a dos famosos.

“Até pela dinâmica atual, da mistura dos ‘camarotes’ com os ‘pipocas’, essa fronteira, antes demarcada, entre celebridades e pessoas que têm uma rotina como a nossa, fica pouco definida, e isso faz essa curiosidade de ver o que tem de nós ali continuar sendo exercida”, reflete.

Outro fator lembrado pela professora diz respeito à representatividade cada vez maior, na mídia, de grupos considerados minoritários, vindos de espaços periféricos e de comunidades como a LGBTQIAP+. “Tanto nas mídias digitais quanto nos próprios realities, a gente vê a possibilidade de as pessoas se depararem com corpos que, até então, não tinham essa visibilidade. O debate das pautas raciais, por exemplo, vem muito à tona a partir disso”, observa Roberta Melo.

Viver de internet
No universo elástico da internet, tem espaço para tudo, e nele todo mundo pode encontrar um cantinho para mostrar as próprias habilidades. No meio de tantos talentos, está difícil se destacar e, mais ainda, faturar com isso. Mas há quem consiga.

Do recifense bairro de San Martin, onde mora desde que nasceu, Gabryell Urlan é um desses “talentosos” que veem a vida se transformar em pouco tempo ao se tornarem influenciadores. Conhecido pelos vídeos em que faz dublagens de áudios engraçados e automaquiagem, o jovem de 24 anos acumulou, apenas de 2020 para cá, 6,6 milhões de seguidores no TikTok e 2 milhões no Instagram. Agora se prepara para estrear como DJ, em show no Club Metrópole, na Boa Vista, neste sábado (5).

Gabryell Urlan, 24, tem mais de 6 milhões de seguidores no TikTok (Foto: Divulgação)

“Eu passei a ter noção de que poderia ganhar dinheiro com a internet quando as empresas começaram a entrar em contato comigo. Até então, eu gravava os vídeos e achava que só ia ganhar seguidores. Obviamente, eu tinha em mente que, em algum momento, iria conseguir trabalhar como influenciador, mas não sabia que seria tão rápido assim. E, em apenas um ano, consegui trabalhos surreais, que nem imaginava”, conta Urlan, que, no início, criava os conteúdos somente por diversão. 

Para o TikToker, o fato de produzir sem a intenção de ficar famoso explica parte do sucesso. “A cada dia que passava, eu gostava mais de gravar, de fazer palhaçada. E as coisas foram surgindo. Aproveitei para lançar [os vídeos de] maquiagem depois que tinha ‘explodido’. Mas a dublagem foi uma escadinha que fui subindo sem sentir. Antes, eu já tinha postado muita coisa… Fiz Instagram de maquiagem, de dança, e não deu certo”, diz.

Com a experiência no trabalho, ele acredita que o influenciador deve demonstrar uma conduta positiva diante do público e que a autenticidade é o melhor caminho para se dar bem. “Tudo o que você faz é para influenciar pessoas. Então, se você faz coisas erradas, você as influencia a fazer coisas erradas”, defende. “Ser você mesmo, mostrando o que gosta de fazer, não forçar nada, tendo em mente que todo mundo tem seu tempo”.

Telma Melo (Foto: Cortesia)

No olhar dos outros
Ter a vida acompanhada por centenas, milhares, milhões de pessoas, assim como receber inúmeros estímulos que aparecem na tela do celular todos os dias para ler, curtir, comentar, compartilhar e postar a todo instante, pode se mostrar um processo desgastante para a saúde mental.

Se, por um lado, existem os usuários que gostam de marcar presença, interagir e consumir e acabam se excedendo, seja em brigas, na crença em falsos modelos ou na exposição pessoal, há aqueles que preferem guardar distância dessa pressão virtual e publicam o mínimo possível. Ou nada.

Vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco (CRP-02), a psicóloga Telma Melo participa de um grupo de profissionais que analisam a relação humana com a tecnologia. Na visão dela, o uso de algoritmos pelas plataformas para coletar dados e manter os usuários conectados o máximo possível traz enormes impactos no cotidiano.

“Como é que entra a questão da liberdade e construção da coletividade, quando a gente sabe que está sendo direcionado? O grande desafio é como usar as redes a nosso favor”, afirma. 

Diante disso, prossegue, a educação é um instrumento importante para fazer refletir sobre o uso ético e saudável das ferramentas digitais. “Porque também essa exposição leva as pessoas a pensarem só no individual, no consumo”, complementa a especialista, que critica o valor comercial, muitas vezes, atrelado às relações criadas na internet.

“O que aproxima as pessoas da exposição é justamente essa lógica do capitalismo de que você tem que ter fama e dinheiro. Em contrapartida, você tem um retorno imediato; as pessoas olham, julgam, criticam e isso pode ser quase insuportável”, alerta.

Taciana de Moura, 29, criou grupo no WhatsApp para mandar fotos de intercâmbio no México (Foto: Cortesia)

Usar ou não usar?
A estudante de Letras Taciana de Moura, 29, não vê muita necessidade de se expor. Para não dizer que não usa rede social, ela tem conta no Instagram e Facebook, mas posta muito pouco. Não publica fotos no feed e, só de vez em quando, compartilha algum conteúdo nos Stories.

“Eu tenho mais por pressão social mesmo”, diz a jovem, que há pouco mais de uma semana está na Baixa Califórnia, México, onde faz intercâmbio pela faculdade.

Diante da “pressão” de familiares e amigos para postar fotos da viagem, a estudante criou um grupo no WhatsApp, em que apenas ela pode enviar mensagens e imagens, substituindo as outras plataformas, que proporcionam uma exposição maior. “Eu mando fotos, vídeos, áudios, contando tudo o que está acontecendo, minha rotina, minhas percepções, já para poder me livrar mais do Instagram”, conta.

Na avaliação de Taciana, o incentivo constante para publicar na internet prejudica a experiência. “Quando vou para os lugares, eu não gosto de ficar tirando porque a gente tem que viver o momento. Acho que a memória é o melhor lugar para se guardarem as coisas”, opina.

Na outra ponta do espectro, o jornalista e social media Rodrigo Lambert, 23, já chegou a passar 10 horas no Instagram em um único dia. Hoje ele tenta controlar mais o uso e fica entre 7 e 8 horas conectado.

Rodrigo Lambert, 23, já ficou 10 horas no Instagram em um único dia (Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco)

“Eu acho que a internet tanto facilita a comunicação como também pode trazer danos emocionais. Então, faço uma seleção do que vale a pena ser postado. Como o perfil é meu, tenho o cuidado de postar coisas referentes a mim e a amigos próximos, mas tenho o cuidado em relação à minha família por uma questão de exposição mesmo”, afirma.

Para alguém como Lambert, que as usa com frequência, consumir as redes sociais é uma forma de “escape”. “O que eu mais consumo é notícia. A gente consegue acessar, de forma bem mais rápida, as informações. Mas também é uma maneira de olhar a vida dos outros”, brinca o jovem, que segue alguns blogueiros locais e acompanha os debates intensos sobre o BBB no Twitter. “Eu acho que me faz desopilar um pouco”, considera.