Saúde

Cigarro eletrônico fracassa como 'porta de saída' do tabagismo, indica estudo

Pesquisa financiada pelo governo dos EUA indica que outros métodos para deixar de fumar têm taxa de sucesso 7% maior em média

Consumo de cigarro eletrônico - Pixabay

A estratégia de marketing dos fabricantes de cigarros eletrônicos busca convencer usuários de que eles são uma alternativa menos nociva ao tabaco queimado e são um caminho para fumantes que querem largar a nicotinina. Um novo estudo, porém, questiona frontalmente esse argumento.

Uma pesquisa encomendada pelo governo americano indica que o consumo de cigarro eletrônico com nicotina, foi menos eficaz do que outras estratégias para largar o vício. Comparado com outros produtos, ele foi 7% menos eficaz em média.

A conclusão está descrita em um artigo na edição desta semana da revista Tobacco Control, do grupo British Medical Journal. O trabalho é uma análise conduzida por pesquisadores da Universidade da California em San Diego, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA.

Para entender se o consumo do produto, apelidado de "vaping", estava sendo eficaz como porta de saída para o tabagismo, os cientistas levantaram dados do programa PATH (Population Assessment of Tobacco and Health), que acompanha dados sobre consumo de cigarro eletrônico entre 4.900 fumantes e ex-fumantes desde 2017. O monitoramento desses voluntários inclui, entre outras informações, registros sobre tentativas de largar o vício, como chicletes e emplastros de nicotina, inaladores ou medicamentos como vareniclina e bupropiona.

Os cientistas decidiram incluir dados sobre "vaping" no programa de pesquisa há cinco anos justamente porque naquele momento ocorreu um aumento brusco nas vendas do produto, impulsionada pelo marketing com argumento da "porta de saúde". Alguns estudos clínicos pequenos, parte deles bancados pela indústria do tabaco, indicavam que o cigarro eletrônico poderia ajudar a cessar o tabagismo, mas os dados colhidos fora do contexto de ensaios clínicos não pareciam corroborá-los, dizem os cientistas.

Agora, com uma análise mais detalhada das informações recolhidas pelo PATH, as evidências parecem contrariar essa tese.

"O aumento de vendas em cigarros eletrônicos com alto teor de nicotina não se traduziu em um número maior de fumantes usando esses produto para largar o tabagismo", escreveram os cientistas, liderados pelo sanitarista John Pierce. "Em média, o uso de cigarros eletrônicos a partir de 2017 não levou a uma interrupção de sucesso nem preveniu recaídas."

Em 2017, um a cada oito voluntários do estudo que disseram estar tentando parar de fumar recorreram a cigarros eletrônicos. Segundo os números, o risco de recaídas para cigarro comum entre os "vapers" era  7,3% maior quando comparado a medicamentos pró-abstinência, e 7,7% maior quando comparado a outros métodos não farmacológicos. Até mesmo os voluntários que não usaram nenhum tipo de ajuda para tentar largar o vício tiveram mais sucesso que os usuários de cigarro eletrônico, diz o estudo.

O argumento da "porta de saída" é um dos dois pilares que a indústria do tabaco usa como argumento pró-legalização. O outro é o da "redução de danos", segundo o qual a substituição de uma droga por outra é benéfica quando o produto novo é menos nocivo. Essa estratégia de marketing também sai um pouco abalada pelo novo estudo, pela constatação de que muitos adeptos do "vaping" continuam fumando cigarros de combustão ocasionalmente.

A pesquisa da Universidade da Califórnia representa um revés para a indústria do tabaco, mas foi apenas o último capítulo de uma disputa de muitos anos que o setor trava com cientistas e grupos antitabagismo. Como a FDA, agência reguladora de fármacos e drogas nos EUA, aprovou formalmente a comercialização de uma marca de cigarros eletrônicos com nicotina sob o argumento de que o produto seria uma "porta de saída". A decisão tirou esse produtos do limbo regulatório em que estavam.

Na época, a a justificativa da agência era de que o risco de novos usuários se viciarem em "vapes" era menor que o eventual benefício dos produtos em ajudar pessoas a pararem de fumar. No Brasil, uma portaria de 2009 ainda proíbe a venda de cigarros eletrônicos, mas a Anvisa está em processo de revisão das regras, a pedido dos fabricantes que já atuam no mercado nacional com cigarros comuns.

— A indústria tem pegado bastante pesado para que a legislação mude a favor deles — diz a sanitarista Silvana Turci, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fiocruz (CETab).

— Esse novo produto representa mais lucro e é a estratégia deles para repor os fumantes que estão parando de fumar ou estão morrendo em consequência do cigarro. Os cigarros eletrônicos são uma reinvenção do tabagismo para a indústria continuar a aferir seus lucros — afirma.