Justiça obriga pais contrários a 'passaporte da vacina' no Colégio Pedro II a imunizar filha
Juíza concluiu que responsáveis de menina de 11 anos cometeram irregularidade ao impedir a imunização dela
A Justiça obrigou os pais de uma aluna do Colégio Pedro II a vaciná-la contra a Covid-19 para que ela pudesse ir para a escola. A decisão, da 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro, foi uma resposta a um pedido de habeas corpus preventivo impetrado pela mãe da criança, uma menina de 11 anos, contra a adoção do “passaporte da vacina” pelo colégio.
No despacho, a juíza Mariana Preturlan pontuou que o habeas corpus é um remédio constitucional que protege o direito de locomoção, e que isso não estava em jogo no processo. A ação, acrescentou a magistrada, se referia ao direito à educação e à saúde, não contemplado pelo instrumento do habeas corpus. Portanto, a impetração não deveria “sequer ser reconhecida”, disse Preturlan.
No entanto, a juíza também se prestou à análise dos argumentos da autora da ação por causa da relevância do tema — “vacinação de criança em uma pandemia”, destacou. Preturlan citou a lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que prevê a vacinação compulsória como medida de enfrentamento à disseminação da Covid-19.
O Supremo Tribunal Federal (STF), adicionou a juíza, reconheceu a constitucionalidade da vacinação compulsória na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 6.586, de 17 de dezembro de 2020, ressaltando que a medida não consiste em vacinação forçada, e sim na adoção de restrições para não vacinados em diferentes locais e atividades, a fim de persuadir indiretamente o cidadão a se vacinar.
“Dentre as medidas sancionatórias se encontra a possibilidade de restrição de acesso e matrícula em estabelecimentos de ensino, como previsto na Portaria nº 597/2004 do Ministério da Saúde”, escreveu a magistrada.
Perturlan também rebateu uma fala da autora do processo, segundo a qual as vacinas contra a Covid-19 são experimentais e não apresentam “garantias e nem segurança para quem faz uso” (sic). Em resposta, a juíza disse que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) “já aprovou as vacinas Pfizer e CoronaVac para uso em crianças, de forma que não se pode falar em uso experimental dos imunizantes”, e mencionou trechos de uma nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicada em dezembro passado, que enfatiza a importância da vacinação infantil contra a Covid-19.
“Existe, portanto, amplo consenso científico de que a imunização de crianças, inclusive da faixa etária de 5 a 11 anos, colabora com a mitigação de formas graves e óbitos por Covid-19 nesse grupo, reduz a transmissão do vírus e é uma importante estratégia para que as atividades escolares retornem ao modo presencial”, concluiu Preturlan. “Logo, a vacinação obrigatória é medida constitucional, legal, proporcional e com amparo científico”.
Em seguida, a magistrada cita o artigo 6º da Constituição Federal, segundo o qual a saúde é um direito fundamental para todos os cidadãos brasileiros (“o que inclui as crianças”, destaca), e o artigo 227, inciso 1º, que “prevê expressamente o dever do Estado, da família e da sociedade de assegurar os direitos fundamentais das crianças”.
Ela diz que a autoridade que os pais exercem sobre os filhos menores é fundada no poder familiar previsto em lei, que obriga tanto filhos como pais. E lembra que a violação dos direitos dos filhos é causa de suspensão ou perda do poder familiar, como prevê ainda o Código Civil.
“Logo, os pais, no exercício do poder familiar, têm o dever de assegurar o acesso de seus filhos à saúde e, portanto, às vacinas recomendadas pelas autoridades sanitárias. Em outras palavras: os pais não têm direito de impedir seus filhos de serem vacinados”, salienta Preturlan.
Ela pontua, na sequência, que o Colégio Pedro II não está violando os direitos da menina. “Pelo contrário: os fatos narrados revelam que os pais da paciente estão violando seus direitos fundamentais à saúde e à educação. A petição inicial é, portanto, notícia da prática de ilegalidade pelos genitores da paciente”, escreve a juíza.
“Impedir a vacinação dos filhos e, consequentemente, da frequência escolar, viola direitos fundamentais à saúde e à educação dos filhos, exigindo pronta resposta das autoridades”, acrescentou.
Diante disso, Preturlan mandou oficiar o Ministério Público e o Conselho Tutelar a fim de que sejam tomadas as medidas necessárias “para resguardar os direitos da menor absolutamente incapaz, que está sendo ilegalmente impedida de se vacinar e, possivelmente, de frequentar a escola”.
Desde novembro do ano passado, o Colégio Pedro II, que pertence à rede federal e tem natureza jurídica de autarquia, exige a apresentação de comprovante de vacinação para a entrada em suas dependências, sendo uma das poucas instituições de ensino do Rio de Janeiro a fazê-lo. A medida foi determinada após reunião do Conselho Superior do colégio (Consup), que tem participação de responsáveis e servidores, e reiterada este ano.