Estudo investiga 'excesso desordenado' na memória de idosos
Para pesquisadores, cérebro dos mais velhos se assemelha a computador com dados demais
Cientistas não gostam muito de metáforas de computador para explicar o cérebro humano, porque a arquitetura sistema nervoso é muito diferente da um chip eletrônico. Um processo similar ao que ocorre com a memória computacional, porém, está sendo evocado agora para explicar um aspecto particular da biologia humana: a transformação do cérebro em adultos mais velhos, que levam mais tempo para recobrar memórias.
Um trio de neurocientistas revelou, na última sexta-feira (11), uma teoria para explicar por que as pessoas de mais de 60 anos levam mais tempo para acessar lembranças em seus cérebros quando comparadas a adultos mais jovens. De quebra, a hipótese do grupo explica também por que às vezes os "jovens idosos" são mais eficazes em solucionar alguns problemas, apesar da memória mais lenta.
Liderado por Tarek Amer, da Universidade Harvard, o grupo descreveu o trabalho artigo na revista Trends in Cognitive Sciences. A teoria, construída com Jordana Wynn (Universidade Columbia) e Lynn Hasher (Universidade de Toronto), está ancorada em estudos comportamentais e de imagem cerebral na última década.
Segundo os pesquisadores, apesar de neurocientistas serem reticentes em usar metáforas computacionais, a maior demora que sexagenários apresentam para acessar memórias lembra o que acontece no processo de localização de um arquivo eletrônico.
Em um computador com disco rígido cheio, o comando de busca (a famosa combinação “control+F”) leva mais tempo para cumprir a tarefa, porque deve varrer uma quantidade maior de bytes até encontrar o alvo.
No cérebro humano, propõe Amer, o excesso de informação “gravada” também torna mais lento o processo de acessar uma memória específica — mas não pelos mesmos motivos. Segundo os pesquisadores, as memórias dos adultos mais velhos são mais interconectadas, e quando se buscam recobrá-las, emerge na consciência uma quantidade maior de informação não diretamente relacionada com o elemento procurado.
Quando envelhecemos, as memórias ficam mais “amontoadas”, e temos mais dificuldade de diferenciar episódios específicos de informações “aprendidas”, adquiridas via conhecimento.
“Diferentemente de adultos jovens, as representações de memória nos adultos mais velhos contêm informações-alvo vinculadas a detalhes irrelevantes ou baseados em conhecimento”, escreve o trio de cientistas. “Com essas representações mais desordenadas (mais ‘ricas’), os idosos são mais propensos a ativar informações excessivas”.
Isso significa que quando a consciência tenta pinçar no cérebro um único grão dessas memórias amontoadas, várias outras são levadas junto, como se fossem arroz japonês. Isso implica uma demora maior para encontrar a memória correta, mas há um benefício em contrapartida. “Isso também pode ajudar no desempenho de tarefas que envolvem criatividade, tomada de decisões”, escrevem.
É preciso deixar claro que a vantagem cognitiva que os cientistas apontam não tem relação com o tipo de déficit de memória visto em pacientes com demência, e a ciência que respalda essa teoria é baseada apenas em testes com idosos considerados saudáveis. O problema de uma pessoa com Alzheimer avançado, por exemplo, não é uma demora relativa para acessar memórias, mas sim a perda completa de muitas delas.
Com essa ressalva, os cientistas elencam mais de uma centena de experimentos para sustentar sua teoria. Alguns desses trabalhos são testes comportamentais, outros são estudos que envolvem máquinas de ressonância magnética e outras tecnologias de imagem para ver o que acontece dentro do cérebro quando uma pessoa recobra uma memória.
Vários desses estudos mostram que, diferentemente do que ocorre em casos de demência, adultos mais velhos tem mais dificuldade do que os jovens de “deletar” memórias, ou deixas desaparecer aquelas das quais não precisam.
Em um experimento de Michael Scullin, da Universidade Washington de St. Louis, psicólogos submetiam voluntários a uma tarefa de memorização/repetição, e mediam quanto estes relatavam memórias espontâneas durante os procedimento, além daquelas requisitadas. Adultos mais velhos, surpreendentemente, despejavam muito mais memórias ao longo do estudo.
Em um experimento de Lynn Hashner, em Toronto, voluntários foram colocados numa máquina de ressonância que mapeava atividade cerebral durante uma tarefa de memorização de imagens. Quando os cientistas dispensavam os voluntários de guardar na mente uma certa figura, a atividade cerebral diminuía, mas voluntários velhos tinham mais dificuldade de “desligar a imaginação”.
Scullin e outros defendiam que esse tipo de hiperativação oferecia apenas desvantagens. Mais recentemente, porém, Amer compilou outros experimento de memória, com problemas mais complexos, onde que há situações nas quais adultos mais velhos se saem melhor, ainda que demorem algum tempo para encontrar soluções.