Tovomita cornuta

Nova espécie de planta encontrada na Amazônia já está ameaçada de extinção

A pesquisa inédita foi realizada por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade Federal do Maranhão

Tovomita cornuta: flores, frutos verdes e frutos maduros, mostrando as sementes envoltas em arilo laranja - Layon Oreste Demarchi/Divulgação

O Brasil é conhecido pelo potencial de abrigar a maior diversidade do mundo de espécies de plantas e animais que ainda não foram catalogados pela ciência. Essas descobertas podem sofrer diversos impactos antes de serem encontradas, como aconteceu com a Tovomita cornuta, nova espécie da flora brasileira que foi descoberta na região Norte do país e já é considerada ameaçada de extinção devido à atividade humana no local. 

A Tovomita cornuta é uma arvoreta que mede entre 3 e 8 metros de altura e se diferencia das outras espécies principalmente pelo formato de seus frutos, que apresentam pequenas protuberâncias semelhantes a cornos, característica que dá nome à planta. Essa espécie é encontrada exclusivamente em ecossistemas de campinaranas na Amazônia, um tipo de vegetação pouco estudada que se desenvolve em solos arenosos e pobres em nutrientes e ocupa aproximadamente 7% da Amazônia legal.

A pesquisa ecológica inédita, realizada por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), foi publicada na revista “Acta Botanica Brasilica”, na quarta-feira (16). 

O cenário para a nova espécie é preocupante. Entre as quatro áreas de ocorrência encontradas no estudo, duas estão em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé e do Uatumã), mas as outras duas já são consideradas ameaçadas. 

A primeira área vem perdendo espaço devido ao crescimento urbano da zona oeste de Manaus, bairro de Ponta Negra. A segunda sofre com a perda de habitat pela criação do lago de Balbina, parte do rio Uatumã, onde foi construída a antiga hidrelétrica de Balbina, considerada um dos maiores desastres socioambientais da Amazônia.

“Nosso estudo descreveu a espécie, analisou sua área de ocorrência e citou as ameaças que a espécie sofre. Agora que sua identidade foi estabelecida, seus usos potenciais poderão ser revelados por meio de estudos futuros, com abordagens científicas específicas para essa finalidade”, explica o pesquisador do INPA e co-autor do estudo Layon Oreste Demarchi.

Ecossistema de campinarana florestada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé | Foto: Layon Oreste Demarchi/Divulgação

Ainda existem caminhos possíveis para preservar essa e futuras novas espécies que podem ser descritas já ameaçadas de extinção, como observa Layon: “A melhor forma de conservar uma espécie é conservando seu habitat e, nesse sentido, o planejamento urbano na cidade de Manaus, considerando seu zoneamento, com a manutenção de áreas verdes, pode ser uma solução adequada. Outras formas de proteção da espécie, estas em nível do município, envolveriam investigar a sua ocorrência em outras áreas de campinarana e viabilizar a proteção dessas áreas por meio de diferentes categorias de Unidades de Conservação”.

Conhecer a biodiversidade do país e suas potencialidades é um passo importante para diversos setores da sociedade, como geração de fontes de renda, uso medicinal e alimentício. Para o pesquisador, estudos de campo para reconhecimento de novas espécies podem nos levar para "a formulação de políticas públicas que visem formas sustentáveis de desenvolvimento para a região que sejam inclusivas e beneficiem as populações locais".

Investimento em ciência 
A pesquisa foi desenvolvida dentro pelo projeto PELD (Pesquisa Ecológica de Longa Duração), financiado a nível nacional pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico  (CNPq) e estadual pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e executado pelo grupo MAUA (“Ecologia, monitoramento e uso sustentável de áreas úmidas”), do INPA. A expectativa é que o estudo continue para essa e outras espécies.

A descoberta da espécie é resultado de uma pesquisa de campo realizada durante quatro anos. Para o pesquisador, investir em estudos com financiamento de longo prazo, além de fortalecer os institutos de pesquisas, que passam pelo sucateamento dos investimentos federais e pela falta de pessoas devido à escassez de concursos públicos, é o caminho para aumentar o conhecimento botânico brasileiro.

Detalhe da área de ocorrência da espécie Tovomita cornuta durante a estação chuvosa em ecossistema de campinarana florestada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã | Foto: Layon Oreste Demarchi/Divulgação


“Ainda existem muitas plantas não descobertas na Amazônia e a única maneira de identificarmos e conhecermos mais da nossa flora é por meio da pesquisa de campo intensiva e de estudos taxonômicos detalhados. Deste ponto de vista, a pesquisa ecológica de longo prazo é uma opção de investimento adequada. A descoberta de T. cornuta é um exemplo da relevância do trabalho de campo e destaca como estudos ecológicos e taxonômicos podem interagir para revelar a biodiversidade amazônica”, ressalta o pesquisador.

Ameaça para a biodiversidade

O desmatamento da Amazônia em 2021 foi o maior registrado nos últimos 10 anos, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Os focos de queimadas na região, monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), também aumentaram em níveis alarmantes e registraram recordes históricos no ano passado. 

A mineração ilegal é, também, um dos fatores que mais afetam o meio ambiente e comunidades indígenas na Amazônia. Mesmo com taxas muito acima da média registrada em anos anteriores e com a agenda da crise climática em emergência, o governo federal lançou recentemente um programa de “apoio ao desenvolvimento da mineração artesanal”, para defender o garimpo na região.

“Se um estudo estiver sendo desenvolvido em uma área não alterada, e ela for submetida a queimadas ou à remoção de substrato para a mineração, o estudo será comprometido. No caso das campinaranas, local de ocorrência da nova espécie descrita, a retirada ilegal de areia para a construção civil e até mesmo de madeira coloca em risco as pesquisas e as espécies, muitas das quais, como nosso estudo comprova, ainda não são conhecidas pela ciência e, portanto, ainda não têm seu potencial de uso aferido”, acrescenta Layon.