Política

Barroso diz que ataques de Bolsonaro às eleições são 'repetição mambembe' de Trump

Em discurso, ministro disse que debate sobre voto impresso foi 'desnecessário' e condenou a prática das 'rachadinhas'

Presidente do TSE, Luís Roberto Barroso - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teve nesta quinta-feira sua última sessão presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso que, em discurso, criticou os ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e às urnas, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e condenou a campanha do madatário e seus apoiadores em favor do voto impresso.

— Boa parte do ano de 2021 foi gasto com uma discussão desnecessária, que significaria um retrocesso, a volta do voto impresso. O sistema é seguro transparente e auditável —, disse o ministro, lembrando que uma proposta sobre o voto impresso foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que a adoção do voto impresso já foi julgada inconstitucional pelo STF.

No próximo dia 22, assume o comando do TSE o ministro Edson Fachin, que passará o cargo para o ministro Alexandre de Moraes em agosto.
 

Em relação ao combate à desinformação durante sua gestão, Barroso afirmou que houve casos graves de manipulação grosseira de notícias, com ataques às instituições e outros comportamentos "inaceitáveis".

— O TSE montou uma estratégia de guerra para combater a desinformação na campanha de 2020. Imprensa profissional é um dos antídotos contra esse mundo da pós verdade e dos fatos alternativos, disfarces para mentira e as notícias fraudulentas —, disse.

De acordo com Barroso, "o foco principal não foi o controle de conteúdo, mas o combate a comportamentos inautênticos, gente contratada para amplificar as notícias falsas: são os mercenários que fazem mal à democracia.

No discurso, Barroso disse também que "nos últimos tempos" a democracia e as instituições "passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado".

— Não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura, mas ações concretas e preocupantes —, afirmou o ministro.

Entre essas as ameaças, Barroso elencou, conforme disse em entrevista ao GLOBO, as manifestações em frente ao Exército que pediam a volta da ditadura militar, da qual Bolsonaro participou e a manifestação de 7 de Setembro com discursos antidemocráticos e com ofensas a ministros do STF e ameaças de não mais cumprir decisões judiciais, além de pedido de impeachment de ministro do STF "em razão de decisões judiciais que desagradavam".

Barroso ainda disse que o TSE procurou fazer sua parte na "resistência aos ataques à democracia" e voltou a afirmar que as reiteradas afirmações de Bolsonaro sobre supostas fraudes nas urnas fazem parte de uma estratégia "das vocações autoritárias".

— Aliás, uma das estratégias das vocações autoritárias em diferentes partes do mundo é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que “se eu não ganhar houve fraude”. Trata-se de repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, procurando deslegitimar a vitória inequívoca do seu oponente e induzindo multidões a acreditar na mentira —, criticou. 

Em uma entrevista coletiva concedida após o encerramento da sessão de despedida, Barroso avaliou que o TSE está mais preparado para combater disparos em massa e divulgação de notícias falsas do que em 2018, e voltou a afirmar que a suspensão do Telegram pode ser uma medida adotada caso a Corte seja acionada.

— Não é possível termos em funcionamento no país aplicativos e plataformas que não respeitem as regras vigentes no país —, afirmou. 

O ministro ainda elencou, entre as medidas tomadas pelo TSE durante sua gestão, a decisão que reconheceu que a prática da denominada "rachadinha" configura ato doloso de improbidade administrativa, "que importa lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito e enseja o indeferimento do registro de candidatura".

— Infelizmente, trata-se de prática corrupta recorrente, em que recursos são desviados dos cofres públicos para benefício particular —, apontou o ministro.

Outro julgamento da Corte eleitoral que foi destacado por Barroso aconteceu em novembro do ano passado, quando os ministros decidiram que "a acusação falsa formulada por um candidato, e disseminada em redes sociais no dia das eleições, de que as urnas estavam fraudadas configura abuso de poder político e uso indevido de meio de comunicação". O deputado estadual alvo da ação foi cassado.

— Parte da estratégia mundial de ataque à democracia é procurar minar a credibilidade do processo eleitoral, abrindo caminho para a quebra da institucionalidade —, disse. 

Em uma fala em homenagem a Barroso, Fachin afirmou que a atuação "proba, justa e transparente" de Luís Roberto Barroso "guiou" o tribunal mesmo nas situações de "ameaças de um passado sombrio não tão longínquo" que rondaram a Corte "dia e noite”.

— Vossa excelência defendeu incansavelmente – e com maestria – os valores democráticos e despertou a reflexão das cidadãs e dos cidadãos brasileiros no sentido de que o voto não é um mero direito, mas sim uma verdadeira oportunidade de escrever e reescrever a história do país —, disse Fachin.

Ainda durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes disse que conviver com Barroso foi um "grande aprendizado" e que o presidente do TSE deixa "legado importantíssimo de trabalho", além de "lealdade a valores da Justiça" e "avanço ao combate ao cupim que vem corroendo as instituições democráticas, as notícias fraudulentas”.