Rio de Janeiro

Petrópolis: famílias enfrentam dificuldades para reconhecimento de corpos de crianças no IML

Falta de documentos, como RG e registro de digital, prolongam a demora para liberação para o enterro

Estragos deixados pela chuva em Petrópolis - Tânia Rêgo / Agência Brasil

Com os três filhos vítimas da tragédia que recaiu sobre Petrópolis na última terça-feira, a atendente de caixa de supermercado Francisca Claudia Nascimento, de 50 anos, tenta desde quarta-feira (16) identificar e liberar os corpos das crianças para sepultamento. O filho caçula de Francisca, Daniel, de 6 anos, já foi reconhecido, mas ela ainda busca identificar as duas meninas, Stephanie, de 11 anos, e Mila, de 13.

Segundo ela, não é possível fazer a identificação pela impressão digital, que é cruzada com o banco de dados do DETRAN — que emite os registros de identidade — porque as crianças não têm RG, só CPF. Enquanto conversava com a reportagem, um funcionário do IML a abordou para perguntar sobre características físicas da filha dela. Francisca ainda não sabe se a criança encontrada foi Stephanie ou Mila.

No fim da manhã desse sábado, 136 corpos estavam no IML, segundo a Polícia Civil. Entre eles, 27 eram menores — crianças ou adolescentes. Desse total de mortos, 119 haviam sido identificados até então. A Polícia Civil tem realizado procedimentos de análise papiloscópica, de arcada dentária e de tatuagens ou cicatriz, mas, diante de reclamações de demora, o reconhecimento feito por familiares vem sendo suficiente para que haja a liberação dos enterros, como por meio de fotos. Em alguns casos, no entanto, será preciso recorrer a exame de DNA dada as condições dos corpos.

Francisca morava na região do Alto da Serra com o marido, os três filhos e a avó das crianças, Lia, de 83 anos, que também morreu na tragédia. Ela não estava em casa, mas narra o drama vivido pelo marido, sobrevivente:

"Ele estava descendo a escada caracol, veio um tumulto e ele falou para as crianças subirem, mas foi tudo tão de repente que a água levou ele pra outra casa lá de baixo e ele não viu mais nada. O Daniel (filho) foi achado na casa da vizinha lá embaixo e o corpo da menina foi achado em outra casa lá embaixo porque três paredes se romperam".

Sem conseguir se alimentar desde terça-feira, a mãe lembra os últimos momentos com as crianças, no domingo anterior.

"Eles sabiam que iam morrer, uma semana antes de acontecer isso, o Daniel sentava no sofá e dizia “mamãe eu te amo”, e a Stephanie que estava com depressão por causa dessa pandemia começou a chorar sem parar. Eu perguntava o que ela tinha e ela só chorava, eu pensava “essa menina está adivinhando alguma coisa”. E a outra, Mila, de 13 anos, lavou a louça pra mim. Ela nunca faz isso. A Stephanie chorando sem parar e a Mila me ajudou pela primeira vez sem pedir e Daniel uma semana olhando pra mim e dizendo “eu te amo, mamãe, como eu posso te ajudar?”. Isso me dói. Isso foi um aviso. Eu só queria estar em casa pra salvar a vida deles".

Com marcas de feridas pelo corpo, Fabio Machado Silva, de 44 anos, pai das três crianças, relatou que no momento da chuva a casa tremia. Ele foi arremessado quando o imóvel foi atingido pela enxurrada, caiu em um buraco e não viu mais os filhos.

"Eram tudo pra mim. Minha vida era eles. Minha vida praticamente acabou, sou um morto-vivo", diz.

Até o momento, 27 das vítimas que morreram são crianças ou adolescentes. De acordo com o último balanço divulgado pela Polícia Civil, no fim desta manhã, 136 corpos estão no IML. Já segundo a Defesa Civil, o número de vítimas soma 146 até o início da noite de hoje.