Caso Moïse: Caderno em que congolês anotava atrasos salariais sumiu após sua morte, disse sua mãe
Lotsove Lolo Lavy Ivone reiterou que filho tinha ido cobrar pagamento; relato foi citado em decisão judicial que aceitou denúncia do MP contra três homens pela morte do vendedor
Em depoimento à Polícia Civil durante inquérito sobre o assassinato do congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte num quiosque da orla da Barra da Tijuca em 24 de janeiro, a mãe da vítima, Lotsove Lolo Lavy Ivone, disse que seu filho mantinha um caderno com as vendas que fazia para o quiosque em que trabalhava, o Tropicália, e que o objeto desapareceu depois que Moïse morreu.
O relato concedido à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) foi citado na decisão da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), expedida nesta terça-feira. A juíza Tula Correa de Melo aceitou a denúncia do Ministério Público por homicídio triplamente qualificado contra três homens que agrediram Moïse e decretou a prisão preventiva deles.
A família do congolês diz que ele foi atacado no quiosque Tropicália após cobrar salários atrasados. Já a versão apresentada pelos três denunciados pela morte de Moïse (Fábio Pirineus da Silva, apelidado de Bello, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, e Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota), é de que o congolês, bêbado, vinha importunando vendedores e clientes dos estabelecimentos próximos, e tinha tentado roubar bebida do freezer do Tropicália antes de ser agredido. Os acusados negam que os ataques tenham tido relação com o fato de que Moïse era negro e imigrante.
Irmão do congolês morto, Djodjo Kabagambe disse aos investigadores que, ao conversar com Moïse pela última vez, um dia antes de sua morte, o vendedor informou que sairia para trabalhar e cobrar dois dias de trabalho que o quiosque Troplicália lhe devia. Djodjo afirmou ainda que as reclamações de Moïse a respeito de atrasos salariais no estabelecimento eram recorrentes.
Mãe de Moïse, Lotsove contou ter ouvido a mesma informação a respeito do paradeiro do vendedor de um amigo dele. Ela disse, contudo, que não era capaz de corroborar se Moïse realmente tinha valores a receber no quiosque, nem se estaria indo ao local para cobrar qualquer dívida.
Lotsove também afirmou que Moïse trabalhava em esquema de comissão e que o pagamento normalmente era realizado no fim do dia, o que foi corroborado por testemunhas. No entanto, segundo ela, era comum que o quiosque atrasasse a parte das comissões referente às vendas feitas via cartão de crédito.
De acordo com a Polícia Civil, a mulher informou que “seu filho mantinha um caderno de anotações pessoal, onde anotava todas as vendas que realizava, objeto que, após sua morte, não foi mais visto”.
Administrador do Tropicália, Carlos Fábio da Silva Muzi negou ter qualquer dívida com Moïse. Ele disse à polícia que conheceu o congolês em 2019, quando o vendedor começou a lhe prestar serviços esporádicos, e que Moïse chegou a atuar no quiosque no início deste ano, mas foi dispensado em 19 de janeiro por trabalhar alcoolizado.
Primo da vítima, Gabie Nzazi N Sele afirmou em depoimento, contudo, que Moïse era brincalhão e comunicativo, não era agressivo e não costumava se meter em brigas.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) aceitou, na noite desta terça-feira, a denúncia do Ministério Público contra três homens acusados pelo assassinato do congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte num quiosque da Barra da Tijuca no dia 24 de janeiro. Fábio Pirineus da Silva, apelidado de Bello, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, e Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota, vão responder por homicídio triplamente qualificado. A 1ª Vara Criminal do TJ-RJ também decretou a prisão preventiva dos acusados, como pediu o MP. As informações foram adiantadas pela coluna do Ancelmo Gois.
Ao fundamentar a conversão da prisão dos denunciados de temporária em preventiva, Tula Correa de Melo salientou que o homicídio de Moïse "é o terceiro caso de espancamento na orla da Praia da Barra da Tijuca em menos de um mês, revelando, portanto, especial audácia criminosa".
A denúncia do Ministério Público foi apresentada nesta segunda-feira. No entendimento do órgão, as circunstâncias do crime caracterizaram motivo fútil, impossibilidade de defesa da vítima e uso de meio cruel, tendo Moïse sendo agredido “como se fosse um animal peçonhento”, como escreveu o promotor Alexandre Murilo Graça, autor da denúncia.