Petrópolis

Após sepultar familiares, sobrevivente diz que voltará às buscas por desaparecidos em Petrópolis

'Assim que enterrar minha irmã e meus sobrinhos, a gente vai estar lá até encontrar o último embaixo daquela terra', desabafou Armando Roque Júnior

Bombeiros, moradores e voluntários em busca de vítimas em Petrópolis após temporal - Carl Souza/AFP

Há 30 anos, Armando Roque Júnior, com 8 anos à época, deixava o Hospital Alcides Carneiro junto de seus pais que carregavam no colo Joyce Roque, sua irmã recém-nascida. Nesta quarta-feira (23), no mesmo terreno e a poucos passos da maternidade da unidade médica, Ademar aguarda no Instituto Médico-Legal (IML) a liberação do corpo de Joyce, grávida de sete meses, e de seus três sobrinhos mortos na tragédia de Petrópolis. Eles foram encontrados somente no oitavo dia de buscas na Chácara Flora em meio ao destroços.

Emocionado a cada vez que lembra da alegria da irmã e dos sobrinhos ou da até das broncas que ela dava neles ao fazer bagunça, Armando ainda encontra forças para continuar auxiliando na procura pelos desaparecidos no local. Firme, ele diz que assim que sepultar a irmã e os três sobrinhos tanto ele quanto o pai das crianças voltarão a vestir as botas, já cheias de lama, e ajudar a encontrar mais vítimas sob os escombros.

— Ainda há quatro desaparecidos. Estamos desde a madrugada da terça-feira nas buscas. Por mais doloroso que seja, assim que enterrar minha irmã e meus sobrinhos, a gente vai estar lá até encontrar o último embaixo daquela terra. Todo mundo que tá aqui perdeu um ente querido. A nossa dor está a ponto de aliviar, mas tem gente que ainda está chorando e sangrando — disse Armando, que critica a falta de apoio do município às buscas por desaparecidos da tragédia na Região Serrana do Rio.

Aos poucos ele e a família começam a assimilar o tamanho da tragédia que os devastou. Neste primeiro momento o desejo é de deixar a cidade de Petrópolis onde a família vive há décadas. Hoje pela manhã,  ao despertar, Armando contou ter escutado a voz de Joyce.

— Quando acordei eu escutei a voz da minha irmã. Pensar que não vou ver a bagunça dos meus sobrinhos na varanda mais pela manhã — declarou Armando que é interrompido pelo choro da emoção que as boas lembranças trazem. Ele bebe um gole d'água,  recupera o fôlegoe continua a desabafar a dor do luto:

— Pensar que vai chegar no domingo e não terá eles fazendo bagunça e minha irmã gritando que vai pegar eles se não parassem. Dói. Dói cada momento que eu pisco o olho, a cada canto que olho lembro deles.

Joyce era mãe de três filhos e aguardava há sete meses a chegada da primeira filha. Na tragédia, morreram Bernardo Roque, de 11 anos, e João Victor, de 9 anos. O filho mais velho de 13 anos se salvou pois estava na escola no momento do deslizamento - as aulas haviam voltado no dia anterior da tragédia. O outro sobrinho de Armando que morreu é de outro núcleo familiar: o pequeno Anthony Borges, de dois anos.

— Se eu pudesse arrancar essa dor do meu peito eu arrancaria. Eu trocaria de lugar com eles. O que me mantém de pé é meu cunhado, sobrinho e mãe. Ontem eu contei para ele (o sobrinho), ele me abraçou e eu disse: "Eu sei que o tio não é muita coisa, mas enquanto Deus der fôlego, estarei aqui. Sei que nada vai tampar o buraco do seu peito". Ele me disse que me amava e eu também disse a ele. Prometi a mim mesmo que nunca mais vou deixar de dizer eu te amo. Por mais dificil que seja vamos tentar seguir a vida da melhor forma, com alegria que ela (Joyce)gostaria que fosse. Vamos nos levantar no momento certo.

O marido de Joyce e pai das crianças, Josimar Luiz da Silva, desde o primeiro dia cobrava dos bombeiros ajuda para achar os corpos da sua família.

—  Eu fui ajudar um amigo e, quando retornei, já tinha descido tudo. Já não tinha mais nada, já tinha levado a minha casa, da minha mãe, das outras pessoas —  contou ele no dia seguinte à tragédia.