Rio de Janeiro

Parentes não conseguem sepultar crianças com outros membros da família em Petrópolis

Corpos de três delas ainda não foram liberados. Viúvo se queixa ainda de ter que ajudar a ampliar cova para enterrar mulher e bebê

Cemitério Municipal de Petrópolis abre novas covas para enterro das vítimas das chuvas - Tomaz Silva/Agência Brasil

Revolta, comoção e tristeza marcaram o enterro de Joyce Roque da Silva e de sua filha Ana Júlia, que morreram soterradas após as chuvas da última terça-feira (22). Grávida de oito meses, Joyce teve seu bebê retirado do ventre nesta quarta-feira (23) no Instituto Médico-Legal (IML) para que fosse possível a realização de enterros em caixões separado. Por volta de 16h, no momento exato em que os dois caixões fechados eram colocadas em uma cova rasa no alto do Cemitério Municipal de Petrópolis, uma forte chuva começou a cair.

Como os coveiros não conseguiram enterrar mãe e filha na mesma cova, parentes precisaram ajudar a abrir mais espaço em uma ao lado para que os dois caixões ficassem juntos. Em razão da falta de vagas no cemitério, os sepultamentos das vítimas das chuvas estão sendo feitos de forma improvisada numa parte alta, de morro, onde estão sendo abertas novas covas.

Viúvo de Joyce, o pedreiro Josimar Luiz da Silva ajudou a abrir a cova. Ele disse que, após todo o trauma que viveu, não sabe se continuará morando em Petrópolis. Ele morava com a família em uma casa que foi totalmente destruída pela tragédia no bairro da Chácara Flora.

— Parece que a paz não chega nunca: precisei sofrer para que minha mulher e minha primeira filha fossem retiradas da terra, para tirar do IML e até para enterrar. O certo em um enterro é você chegar e já enterrar o caixão no buraco, e não precisar pegar em pá para ajudar a abrir espaço. A gente já está esgotado e ainda precisa passar por isso. Amanhã vou ter que voltar aqui (no cemitério) de novo para enterrar meus outros dois filhos, isso é desumano. Quando saímos do IML e já estávamos a caminho do cemitério, eles (o IML) me ligaram falando que os corpos das crianças já seriam liberados, mas que eu precisava voltar lá para fazer o exame de DNA —  disse Josimar, ao lado de parentes e amigos.

Irmão da vítima, Armando Roque da Silva também lamentou precisar passar por tanta burocracia para enterrar os corpos de seus familiares.

— Depois de toda essa tragédia, ainda estamos enfrentando um sofrimento triplo. Teve problema no resgate, na liberação do corpo no IML e agora até no enterro. A gente não aguenta mais. Por que não liberaram os corpos das crianças? Elas perderam até o direito de serem enterradas ao lado da mãe? — indagou o porteiro, inconsolável.

A família ainda aguarda a liberação de outros dois filhos de Joyce mortos nos deslizamentos: Bernardo, de 11 anos, e João, de 9. Josimar diz ter sido informado no IML que, apesar do reconhecimento visual dos seus filhos, é preciso de uma confirmação técnica da arcada dentária ou de DNA, uma vez que as crianças não tinham carteira de identidade. A decisão do IML impediu que o desejo da família de sepultar todos juntos se concretizasse.

Jussara Aparecida, irmã de Josimar, também reclamou na demora na liberação dos corpos. Ela é mãe de Anthony, mais uma criança da família vítima da tragédia. Jussara também perdeu sua outra filha, Júlia Ribeiro, de 18 anos, que foi sepultada no domingo.

— Essa aflição nunca vai chegar ao fim? Achei que hoje conseguiria dormir um pouco mais em paz. Já perdi minha filha e meu filho, meus bens maiores. Eu não mereço passar por isso tudo — disse Jussara.

A Polícia Civil ainda não se posicionou sobre a liberação dos corpos das crianças.