Estudo do Butantan encontra molécula com potencial anticoagulante em saliva de carrapato
A descoberta pode abrir caminhos para novos fármacos
Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram uma atividade anticoagulante importante em uma molécula na saliva do carrapato de camelos do Deserto do Saara (Hyalomma dromedarii). A descoberta feita em testes iniciais realizados em laboratório pode abrir caminho para novos fármacos que tratam distúrbios da coagulação sanguínea, que podem estar presentes em doenças cardiovasculares e no câncer.
O estudo é resultado de uma parceria com o Instituto Pasteur da Tunísia e foi publicado na revista Toxins em dezembro de 2021. A molécula Dromaserpina é capaz de inibir o principal fator da coagulação, a trombina, proteína essencial para a formação dos coágulos sanguíneos, além de interferir na agregação das plaquetas, células da corrente sanguínea.
“Todas as doenças que envolvem distúrbios da coagulação, como doenças cardiovasculares, trombose, câncer e a Covid-19, que hoje em dia muitos pacientes ficam com formação de trombo, são utilizados os anticoagulantes para reverter essa situação. Porém, os anticoagulantes que existem no mercado ainda promovem muitos efeitos colaterais e às vezes precisa-se usar mais de um para buscar o tratamento", explica a diretora do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação, Fernanda Faria, coordenadora do estudo
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), cerca de 30% de todas as mortes no país são causadas por doenças cardiovasculares (DCV). Mesmo com esse número expressivo de mortalidade, os anticoagulantes disponíveis atualmente têm uma série de efeitos adversos, como hemorragia. Por isso, existe um grande interesse na identificação de novas moléculas com potencial anticoagulante.
Caminho da pesquisa
Em uma análise realizada em outro estudo, os cientistas testaram a atividade da molécula na presença da heparina, um anticoagulante comumente utilizado em hospitais. “Existem evidências de que alguns inibidores de coagulação podem ser potencializados pela heparina. Foi o caso da Dromaserpina: com a presença desse fármaco, a molécula apresentou uma atividade anticoagulante muito mais importante”, diz a pesquisadora.
O próximo passo do trabalho, que deve ter início em março, é investigar a atividade da Dromaserpina em células (testes in vitro), usando modelos como inflamação e câncer, onde a trombina, seu principal alvo, pode atuar. Caso os resultados sejam positivos, os testes em animais devem começar no próximo ano.
A linha de pesquisa da diretora do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação foca principalmente no estudo de animais hematófagos, ou seja, que se alimentam de sangue, como carrapatos e sanguessugas.
“Para que possam se alimentar, eles precisam que o sangue do hospedeiro esteja fluido, por isso possuem moléculas com ação anticoagulante em sua saliva. Nós buscamos identificar essas moléculas para encontrar candidatos para o tratamento de doenças cardiovasculares, por exemplo”, afirma Fernanda.
Um exemplo de anticoagulante já usado em pacientes que vem de um animal hematófago é a hirudina, encontrada nas glândulas salivares das sanguessugas. Aprovada no final dos anos 1990, a substância é um inibidor direto da trombina.
Parceria internacional
A composição da saliva do carrapato Hyalomma dromedarii vem sendo estudada desde 2014 pelo grupo, quando se iniciou a parceria com o Instituto Pasteur da Tunísia. Em 2017, o transcriptoma e proteoma das glândulas salivares do animal foram desvendados, contribuindo para a construção de um banco de dados com informações sobre todas as moléculas ali presentes. A partir disso, algumas moléculas foram selecionadas para estudo, dentre elas a Dromaserpina.
O trabalho faz parte do doutorado da estudante Hajer Aounallah, da Tunísia, que vem sendo desenvolvido em cotutela, algo inédito na Pós-Graduação em Toxinologia do Instituto Butantan (PGTOX). O acordo acadêmico entre a PGTOX e a Universidade de Tunis El Manar – Instituto Pasteur na Tunísia lhe permitirá receber o título de doutora em ambas as instituições.