Deputados: frases de Arthur do Val são mais graves que caso de parlamentar que apalpou colega
'Mamãe Falei' pode levar punição mais grave que Fernando Cury, afastado por 119 dias. Deputados pedem cassação
Passado mais de um ano do caso de importunação sexual do Fernando Cury (sem partido) contra a colega Isa Penna (PSOL), a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) se vê no meio de outra crise provocada pelo machismo de um deputado.
Desta vez, a Casa terá de lidar com uma enxurrada de ações contra Arthur do Val (Podemos) por conta de suas ofensas contra refugiadas da Ucrânia. Parlamentares consideram o episódio ainda mais grave que o anterior, o que indica que pode haver uma punião maior. Um pedido de cassação de mandato foi apresentado neste domingo.
Na sexta-feira, vazaram na internet áudios em que Do Val diz que as mulheres da Ucrânia "são fáceis porque são pobres". Ele viajou ao país do Leste europeu para, segundo ele, ajudar na resistência contra a invasão russa. A atitude foi repudiada por dezenas de políticos e organizações da sociedade civil, o que pressionará o Conselho de Ética da Alesp a se posicionar logo.
Em 5 de março, o Conselho de Ética da Alesp aprovou uma suspenção de 119 dias para Cury, que foi filmado apalpando os seios de Isa Penna no plenário da Assembleia, numa sessão ocorrida em dezembro de 2020. O número de dias de punição foi visto como uma manobra para manter o funcionamento do gabinete do parlamentar, com todos os assessores a que ele tem direito. Se ele ficasse mais de 120 dias afastado, perderia esse benefício.
Além da pressão maior por uma punição, deputados avaliam que a forma como Do Val se posiciona politicamente pode atrapalhar uma eventual resposta corporativista da Alesp. Do Val não pertence a nenhum grupo político de peso dentro da Assembleia e tem uma atuação mais voltada para seus seguidores na internet, inclusive com críticas à "velha política".
Neste domingo, 15 deputados assinaram uma representação pedindo a cassação do mandato de Do Val por quebra de decoro parlamentar. "A sordidez dos áudios é ainda mais revoltante quando contextualizada no momento vivido pela Ucrânia e seu povo, em meio a um conflito armado, que fragiliza e vulnerabiliza suas mulheres, suas famílias e todo o seu povo", diz o documento, assinado por parlamentares de PT, PSOL, PCdoB, PL e PSDB.
"A representação continua aberta a participação de outros deputados. A sociedade paulista não pode aceitar um comportamento asqueroso como esse. Isso não é papel de homem público, de ser humano", disse Emídio de Souza (PT), um dos signatários do documento.
Além da representação assinada pelos 15 deputados, outros pedidos devem ser apresentados nesta segunda-feira. A intenção é juntar todos os documentos em um só, já que objeto e acusado são os mesmos, para então dar entrada ao processo.
A presidente do Conselho de Ética da Alesp, Maria Lúcia Amary (PSDB), afirmou ao GLOBO ter recebido, no fim de semana, diversos telefonemas de colegas "preocupados" com a repercussão do caso e pedindo "resposta rápida" da Casa para puni-lo. Segundo ela, além da indignação com os comentários sexistas, há receio de que a viagem do parlamentar, feita por conta própria, seja confundida como algum tipo de ação humanitária empreendido pela Assembleia.
"Minha impressão é que esta situação pode ser considerada mais grave. Acho que está sendo pior (do que o caso de Cury). Desta vez estou vendo mais homens se manifestarem. Talvez seja por causa da guerra, existe uma comoção mundial", afirmou ela ao GLOBO.
Maria Lúcia diz haver uma grande pressão externa, de representantes ucranianos, movimentos feministas e ONGs humanitárias de atuação internacional sobre o caso. Um dos exemplos é da ex-embaixatriz da Ucrânia no Brasil, Fabiana Tronenko, que pediu a cassação do deputado em vídeo emocionado publicado no Twitter na sexta-feira.
"Peço que você tenha mais respeito com as mulheres ucranianas, porque elas não são fáceis porque elas são pobres. São mulheres, são decentes, pessoas honradas, e você tenha respeito, seu vagabundo", afirmou Fabiana.
Também integrante do Conselho de Ética, Adalberto Freitas (PSL) publicou um vídeo em seu Instagram para "repudiar" as declarações de Do Val e afirmar que pedirá a cassação de seu mandato. O presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), também criticou o parlamentar:
"Não há mais palavras para repudiar a fala do deputado Arthur do Val. Repugnante e inaceitável. Minha solidariedade às ucranianas e a todas as mulheres. A Assembleia de São Paulo rejeita em absoluto as opiniões pessoais do parlamentar e irá investigar a conduta com rigor e seriedade", tuitou.
Maria Lúcia diz nunca ter visto tantos episódios de violência quanto na atual legislatura. Além dos casos de Cury e Do Val, ela cita a punição aprovada contra Frederico D'Avila (PSL) por xingar o Papa Francisco e a declaração de Douglas Garcia (Republicanos) de que agrediria uma transexual que entrasse num banheiro feminino.
Assim que forem autuados todos os processos, eles serão encaminhados para os deputados, e Do Val terá cinco dias corridos para apresentar sua defesa prévia. Em seguida, Amary deve marcar uma sessão para votar a admissibilidade ou não da denúncia. Em caso positivo, ela deve nomear um relator, que terá até 15 dias para apresentar seu parecer, a ser votado pelo colegiado.
Composto por nove parlamentares, o conselho pode decidir pela absolvição, advertência, suspensão ou até a cassação de Do Val, desde que seja atinja a maioria, isto é, cinco membros. Caso a penalidade mais grave seja escolhida, o caso segue para o plenário da Alesp, onde basta maioria simples, de 48 votos, para o parlamentar ser cassado.
Procurado neste domingo, Do Val não se pronunciou. No sábado, ele divulgou um pedido de desculpas e afirmou que suas falas não são corretas "com as mulheres brasileiras, ucranianas e com todas as pessoas que depositam confiança" em seu trabalho. A repercussão dos áudios levou ele a abrir mão de sua pré-candidato a governador de São Paulo pelo Podemos.
"Foi errado o que eu falei, não é isso o que eu penso. O que falei foi um errou num momento de empolgação. Foi um áudio machista, assumo, peço desculpas a todas as mulheres", afirmou em vídeo publicado nas redes sociais.