GUERRA

Civis começam a ser retirados de cidades ucranianas durante trégua temporária

Ucrânia e Rússia trocam acusações sobre os corredores

Soldados ucranianos ajudam uma idosa a atravessar uma ponte destruída enquanto ela evacua a cidade de Irpin, a noroeste de Kiev, em 8 de março de 2022. - Serguei Supinsky/AFP

Os civis começaram a ser retirados, nesta terça-feira (8), da cidade ucraniana de Sumy, perto da fronteira com a Rússia, em uma nova tentativa de instaurar corredores humanitários para que as pessoas cercadas pelos bombardeios possam ficar em segurança.

De acordo com a vice-primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk, o ministério russo da Defesa se comprometeu em uma carta enviada à Cruz Vermelha a respeitar o corredor humanitário para a retirada de civis nesta terça-feira, com uma trégua das 9h às 21h locais (4h às 16h de Brasília).

Os bombardeios aéreos contra esta cidade, que fica 350 km ao nordeste de Kiev e é cenário de violentos combates há vários dias, mataram 21 pessoas - incluindo duas crianças - na segunda-feira à noite, segundo o Ministério Público regional.

Pouco depois das 10h locais (5h de Brasília), dezenas de ônibus saíram de Sumy com destino a Lokhvytsia, 150 km ao sudoeste, informou o governador interino, Dmitry Lunin.

Alguns minutos antes, a vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, afirmou que "o lado russo pretendia perturbar o corredor", algo que poderia obrigar os civis a "seguir outro itinerário, que não está coordenado (com as autoridades ucranianas) e que é perigoso". 

"Permitam que retiremos as pessoas tranquilamente. O mundo inteiro está assistindo", declarou no 13º dia de conflito, antes de pedir às tropas russas que "interrompam seu avanço" durante a operação humanitária.

Horas depois, o ministério ucraniano da Defesa acusou a Rússia de não respeitar o corredor humanitário em Mariupol, uma cidade portuária estratégica do sul do país.

"O inimigo executou um ataque exatamente na direção do corredor humanitário", denunciou o ministério em sua página do Facebook. O exército russo "não permitiu que crianças, mulheres e idosos abandonassem a cidade", acrescenta o texto.

A Rússia anunciou nas primeiras horas de terça-feira um cessar-fogo para permitir a saída dos civis das grandes cidades ucranianas, incluindo Kiev.

"13 dias ouvindo promessas" 
A situação é cada vez mais grave e o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, denunciou as "promessas" não cumpridas dos países ocidentais.

"Há 13 dias estamos ouvindo promessas. Há 13 dias que estão nos dizendo que vão nos ajudar (...) que haverá aviões, que vão nos entregar", declarou em um vídeo publicando no Telegram. 

"Mas a responsabilidade por tudo isso também recai sobre aqueles que não foram capazes de tomar uma decisão no Ocidente há 13 dias. Sobre aqueles que não protegeram o céu ucraniano dos assassinos russos", acrescentou.

A instauração dos corredores humanitários foi o principal tema da terceira rodada de negociações entre Rússia e Ucrânia na segunda-feira, mas na frente de batalha as tropas russas prosseguem com o avanço ao redor das grandes cidades, o que inclui bombardeios em alguns casos, segundo as autoridades ucranianas. 

O secretário-geral adjunto da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, afirmou no Conselho de Segurança que os civis devem ter condições de fugir para onde desejarem e que o acesso seguro a suprimentos médicos e humanitários deve ser garantido.

Depois de meses acumulando tropas nas proximidades da fronteira da ex-república soviética, o presidente russo Vladimir Putin ordenou a invasão alegando querer proteger a população de língua russa dos territórios rebeldes do leste da Ucrânia, que lutam contra Kiev desde 2014.

O chefe de Estado da Rússia exige a desmilitarização da Ucrânia, um status neutro para o país, atualmente inclinado ao Ocidente, e garantias de que Kiev nunca integrará a Otan.

"Muitas crianças" 
O exército russo se concentra especialmente nas frentes de Kiev, Mariupol e Kharkiv, segunda maior cidade do país, na região nordeste, alvo de intensos bombardeios e disparos de mísseis nos últimos dias.

Em Busha, perto de Kiev, os habitantes também tentavam desesperadamente abandonar a cidade. 

"Há pessoas em cada apartamento, em cada casa. O mais importante é conseguir a retirada das crianças. Há muitas crianças e mulheres", disse Anna à AFP.

"A cidade está à beira da catástrofe humanitária. Não temos gás, água nem energia elétrica e a comida começou a acabar", disse.

Também foram registrados combates violentos na cidade de Izium (leste), mas as tropas russas bateram em retirada logo depois, segundo o Estado-Maior ucraniano.

O ministério ucraniano da Defesa anunciou que o general russo Vitali Guerassimov morreu perto de Kharkiv, uma informação que as autoridades russas não confirmaram e que não foi possível confirmar com fontes independentes.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) informou que disparos de artilharia atingiram no domingo uma instalação de pesquisa nuclear com fins médicos e industriais em Kharkiv, mas nenhuma consequência foi detectada. 

Mais de dois milhões de refugiados 
O conflito provocou o êxodo mais acelerado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mais de dois milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde 24 de fevereiro e seguiram para países vizinhos, sobretudo para a Polônia, anunciou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Correspondentes da AFP observaram milhares de civis tentando fugir dos combates por uma rota não oficial de retirada a partir de Irpin, subúrbio ao oeste de Kiev.

Crianças e idosos eram carregados em tapetes usados como macas por uma estrada protegida por soldados e voluntários. Desesperados, alguns abandonavam as malas para entrar em veículos lotados.

O balanço mais recente da ONU registra 406 civis mortos na invasão, mas este número certamente está muito abaixo dos dados reais de vítimas da guerra.

A justiça alemã anunciou que está investigando possíveis crimes de guerra na Ucrânia. O Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu na semana passada uma investigação sobre o tema e o governo dos Estados Unidos afirmou que tem informações "muito confiáveis" sobre crimes de guerra cometidos pela Rússia.

Cotação do níquel suspensa 
O Banco Mundial aprovou um pacote adicional de 489 milhões de dólares de liberação imediata para a Ucrânia.

Em resposta à ofensiva, os países ocidentais impuseram sanções sem precedentes contra empresas, bancos e magnatas russos nos últimos dias, mas Kiev insiste em pedir um boicote às exportações russas e a imposição de uma zona de exclusão aérea para impedir os bombardeios.

A bolsa de metais de Londres (LME) suspendeu a negociação de níquel de maneira temporária, depois que o preço superou por alguns minutos US$ 100.000 por tonelada, diante do risco de escassez caso a Rússia não consiga exportar sua produção.