SÃO PAULO

Mordida, transfobia, assédio sexual, xingamento ao Papa e machismo: legislatura sem decoro da Alesp

Escândalo dos áudios de Arthur do Val se soma a outros episódios que acionaram o Conselho de Ética do Legislativo paulista

Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) - Divulgação / Governo de São Paulo

A divulgação de áudios sexistas de Arthur do Val (Podemos) é só mais um episódio polêmico da atual legislatura da Assembleia Legislativa de São Paulo. Desde 2019, houve cenas de brigas em plenário, mordida de um parlamentar em outro, xingamento ao papa.

A frequência de polêmicas levou a deputada Maria Lucia Amary, de 70 anos, em seu quinto mandato na Casa, a dizer ao Globo que nunca viu tantos episódios de violência quanto neste grupo atual. Ela é presidente do Conselho de Ética e deve analisar nos próximos dias as representações contra Do Val que empilharam em sua mesa desde o fim de semana. São, até o momento, 12 ações diferentes.

Transfobia
Em abril de 2019, o deputado bolsonarista Douglas Garcia, então no PSL e hoje no Republicanos, afirmou que "tiraria a tapa" uma transexual que estivesse num banheiro feminino. A declaração foi dada após discurso da colega Erica Malunguinho (PSOL), a primeira transexual eleita para ocupar uma cadeira no Parlamento paulista. Malunguinho havia criticado um projeto de lei do deputado Altair Morais (Republicanos) que "estabelece o sexo biológico como o único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no estado".

Agressões
Em dezembro do mesmo ano, Arthur do Val quase saiu na mão com colegas no plenário da Alesp, durante discussão da proposta da reforma da Previdência do estado de São Paulo. O deputado chamou os sindicalistas que tinham comparecido à sessão, simpatizantes do PT, de "bando de vagabundos". O então presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), pediu que Do Val não usasse palavras de baixo calão contra as pessoas na galeira.

O parlamentar, no entanto, prosseguiu o seu discurso e insinuou que o líder do PT na Casa, Teonílio Barba, teria recebido vantagens indevidas para apoiar o projeto de lei do governador João Doria (PSDB) que garantiu benefícios fiscais para fabricantes de veículos. Barba então saiu correndo em direção à tribuna e chegou a preparar um soco em direção a Do Val, mas foi puxado por Ênio Tatto (PT). Do Val também cerrou os punhos e chamou o petista para briga.

Na sequência, houve uma confusão generalizada, com empurrões entre os deputados. No microfone, Macris pediu que a Polícia Militar fosse chamada para proteger o deputado. O deputado Heni Ozi Cukier (Novo) levou uma mordida de Luiz Fernando (PT) ao tentar defender Do Val.

Assédio sexual
No fim de 2020, Fernando Cury, então no Cidadania, foi flagrado pelas câmeras da Alesp apalpando o seio da colega Isa Penna (PSOL) ao abracá-la por trás. A deputada prontamente repeliu o toque de Cury, que insistiu mais uma vez na aproximação. As imagens tiveram repercussão internacional e reacenderam o debate sobre o machismo na política.

A deputada levou o caso ao Conselho de Ética, que, por meio de uma costura de deputados homens, quase livrou Cury de perder o financiamento de seu gabinete ao propor uma suspensão de 119 dias. Após a repercussão negativa da punição branda, o presidente da Casa, Carlão Pignatari, costurou um acordo com os líderes para punir o deputado com suspensão de 180 dias. Cury acabou expulso do Cidadania.

Ofensas
Em outubro de 2021, o bolsonarista Frederico D'Ávila foi à tribuna para fazer um discurso contra o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, que, por sua vez, havia criticado o presidente Jair Bolsonaro. D'Ávila chamou Brandes de "canalha" e "safado" e disse que o papa Francisco é "vagabundo".

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma carta à Alesp em que cobrou punição ao deputado. D'Ávila foi alvo de quatro representações contra quebra de decoro, e teve a suspensão de três meses aprovada no Conselho de Ética em fevereiro. O caso deve ser votado em plenário neste mês.

Machismo
Na última sexta-feira, vazaram na internet áudios em que Do Val diz que as mulheres da Ucrânia "são fáceis porque são pobres".

Segundo ele, a fila de refugiadas do país invadido pela Rússia seria de mulheres "mais bonitas do que a melhor balada de São Paulo", e que viajaria de novo ao Leste Europeu quando a guerra acabasse para vê-las de novo. O parlamentar viajou à Eslováquia na semana passada para, segundo ele, ajudar na resistência contra a invasão russa.

As declarações foram criticadas, além do teor sexista e insensível com a dor das mulheres fugidas da guerra, incentivar o turismo sexual. A atitude foi repudiada por dezenas de políticos e organizações da sociedade civil, o que pressionará o Conselho de Ética da Alesp a se posicionar logo.