Organização denuncia retrocesso do Brasil no combate à corrupção em relatório para OCDE
Documento cita perda de independência de órgãos de controle no governo Bolsonaro, falta de transparência no Congresso com 'orçamento secreto' e inação da PGR
A Transparência Internacional Brasil denunciou retrocessos no combate à corrupção no país em um relatório enviado nessa quarta-feira (9) à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O documento foi divulgado pelo movimento e, entre outros pontos, cita "perda de independência" e crescimento da "ingerência política" por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro sobre órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), Polícia Federal, Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Em janeiro, o Brasil recebeu um convite oficial da OCDE para negociar sua adesão à entidade, o que foi visto pelo governo Bolsonaro como uma vitória diplomática. O processo de adesão deve ser concluído em um período de três a cinco anos, segundo fontes envolvidas no tema. Junto com o país concorrem a uma vaga Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia.
"Há preocupação de que o convite venha em um momento de desmantelamento contínuo das estruturas instaladas, ao longo últimos anos, para combater a corrupção, promover direitos, preservar o meio ambiente e, em última análise, proteger a democracia do país", alerta a organização.
O combate à corrupção e a proteção do meio ambiente estão entre os pontos que serão avaliados para a eventual entrada do Brasil na OCDE. O documento foi entregue ao Grupo de Trabalho Antissuborno (WGB) da organização, que se reúne esta semana em Paris. A ingerência sobre órgãos de controle na área ambiental também aparece com destaque. Segundo a Transparência Internacional, eles "vêm sofrendo um verdadeiro desmanche, com graves consequências no enfrentamento de crimes ambientais e violações de direitos humanos".
No relatório, a Transparência Internacional pede que o secretário-geral da OCDE considere os retrocessos na legislação e no arcabouço institucional anticorrupção, ambiental e de proteção dos direitos humanos no Brasil durante o processo de adesão do país. "O conselho deve garantir que o Brasil não apenas se compromete, mas demonstra efetivamente capacidade e boa vontade para implementar, de forma permanente, as políticas e boas práticas recomendadas pela OCDE, para que uma eventual adesão não signifique a aprovação de práticas incompatíveis com a suas próprias diretrizes", diz o texto.
A Transparência Internacional também traz denúncias sobre os ataques de Bolsonaro e outras autoridades a organizações da sociedade civil, academia e jornalistas investigativos. Para a organização, além de enfraquecer o controle social da corrupção, os episódios deterioram gravemente a democracia brasileira.
O relatório aponta ainda retrocessos no Congresso Nacional, na PGR e no Judiciário brasileiros. No legislativo, os principais pontos de crítica são a falta de transparência do processo legislativo, principalmente com o chamado Orçamento Secreto na gestão do presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a Lei de Improbidade Administrativa, aprovada no ano passado. A norma modifica o entendimento sobre atos ilícitos contra a administração pública e condiciona a punição à comprovação de dolo.
Sobre a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, a organização ressalta que Aras foi reconduzido após dois anos no cargo e que o período foi marcado por críticas pela falta de independência, principalmente pela inação sobre episódios envolvendo o governo Bolsonaro na pandemia, e pelo desmantelamento de operações de combate à grande corrupção.
No Poder Judiciário, o documento destaca a decisão do STF, que retirou da Justiça comum e transferiu para a Justiça Eleitoral, a competência para julgar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros, quando houver associação destes com crimes eleitorais. De acordo com a Transparência Internacional, a medida "está resultando em dezenas de casos graves anulados e prescritos, além do impacto extremamente negativo na capacidade do país de processar e punir grandes esquemas de corrupção, já que os tribunais eleitorais têm muito menos estrutura e capacidade técnica para lidar com a complexidade desses crimes".
Em dezembro de 2020, a OCDE criou um grupo permanente de monitoramento sobre o combate à corrupção no Brasil. A decisão foi tomada diante do que a entidade viu como um recuo no combate à corrupção no país.