RÚSSIA

Após mais de 60 multinacionais anunciarem saída da Rússia, Putin ameaça confiscar ativos

A Coca-Cola, por exemplo, suspendeu seus negócios na Rússia e prometeu monitorar a situação à medida que as circunstâncias evoluíssem

Presidente russo, Vladimir Putin - Andrey Gorshkov / Sputnik / AFP

Coca-Cola, McDonald's, Heineken, Toyota, Shell e muito mais. A lista de empresas que anunciaram alguma forma de represália à guerra entre Rússia e Ucrânia é longa. Enquanto umas decidiram fechar suas unidades, outras suspenderam serviços e aportes financeiros. Em resposta, Vladimir Putin ameaça confiscar os ativos das multinacionais que não mudarem de ideia.

Em comunicado originalmente enviado aos funcionários e franqueados, o CEO do McDonald's, Chris Kempczinski, disse que a empresa se junta ao mundo para condenar a agressão e a violência. Por isso, apesar de estar há trinta anos no território russo operando em 850 comunidades, empregar 62.000 pessoas e trabalhar com centenas de fornecedores e parceiros locais, o McDonald's decidiu fechar todos os nossos restaurantes na Rússia e pausar todas as operações no mercado, sem previsão de retorno.

Kempczinski acrescentou que entende o impacto que isso terá nos colegas e parceiros russos, mas que os valores da companhia significam "não ignorar o sofrimento humano desnecessário que se desenrola na Ucrânia".

Depois de ter comprado uma carga de petróleo bruto russo, a Shell voltou atrás e anunciou a intenção de acabar gradualmente com seu envolvimento em todos os hidrocarbonetos do país — petróleo bruto, derivados de petróleo, gás e gás natural liquefeito (GNL). Como passo imediato, decidiu interromper todas as compras à vista de petróleo bruto russo, além de fechar seus postos de serviços, e operações de combustíveis de aviação e de lubrificantes na Rússia.

Nesse sentido, a Shell pretende encerrar seu envolvimento no projeto de gasoduto Nord Stream 2 e sair de suas parcerias de capital com a Gazprom e entidades relacionadas, incluindo sua participação de 27,5% na instalação de gás natural liquefeito Sakhalin-II, sua participação de 50% na Salym Petroleum Development e no empreendimento de energia Gydan.
 

“Esses desafios sociais destacam o dilema entre pressionar o governo russo por suas atrocidades na Ucrânia e garantir suprimentos de energia estáveis e seguros em toda a Europa”, disse o CEO da Shell, Ben van Beurden.

A Coca-Cola, por sua vez, suspendeu seus negócios na Rússia e prometeu monitorar a situação à medida que as circunstâncias evoluíssem. A companhia disse ainda que emprega 700 mil pessoas em todo o mundo, mas não especificou o tamanho do seu quadro de colaboradores russos. Já a Heinekein, que é a terceira maior cervejaria do país, com 1.800 funcionários, comunicou que deixaria de produzir e de vender sua cerveja na Rússia por causa da guerra "completamente injustificada".

Um dois maiores grupos automotivos do mundo, a Toyota interrompeu em 04 de março a produção em sua fábrica de São Petersburgo e parou importações de veículos, até novo aviso, devido a interrupções na cadeia de suprimentos.

Da mesma forma, a Volkswagen — que comercializa na Rússia os modelos Volkswagen Commercial Vehicles, ŠKODA, Audi, Lamborghini, Bentley e Ducati — optou por suspender a produção de veículos nas fábricas do país e a exportação de carros provenientes de lá. Nesse período, os funcionários receberão a metade dos salários.

Além das duas fabricantes, General Motors, Mercedes-Benz, BMW, Ford, Land Rover, Mazda, Honda e Harley-Davidson cessaram o fornecimento de seus produtos à Rússia.

"À luz da crise na Ucrânia, a Harley-Davidson suspendeu seus negócios na Rússia e todos os embarques de suas motos para o país. Nossos pensamentos continuam pela segurança do povo da Ucrânia e daqueles afetados pela crise", respondeu em nota ao GLOBO.

Depois da exclusão de sete bancos russos do sistema financeiro internacional, o Swift, operar em Moscou tem se tornado cada vez mais difícil para as instituições financeiras ocidentais. Ontem, o Goldman Sachs foi o primeiro banco a anunciar que irá abandonar a Rússia. No fim do ano passado, a exposição total de crédito da empresa ao país era de US$ 650 milhões, sendo a maioria vinculada a contrapartes ou mutuários não soberanos.

“O Goldman Sachs está encerrando seus negócios na Rússia em conformidade com os requisitos regulatórios e de licenciamento. Estamos focados em apoiar nossos clientes em todo o mundo na gestão ou fechamento de obrigações pré-existentes no mercado e garantir o bem-estar de nosso pessoal", comentou em comunicado.

As operadoras de cartões norte-americanas Visa e Mastercard também já tinham anunciado o descredenciamento de bancos do país de sua rede.

“Lamentamos o impacto que isso terá em nossos valiosos colegas e nos clientes, parceiros, comerciantes e titulares de cartões que atendemos na Rússia. Esta guerra e a ameaça contínua à paz e à estabilidade exigem que respondamos de acordo com nossos valores”, declarou o presidente global da Visa, Al Kelly.

No ramo do entretenimento, a Sony e a Nintendo suspenderam as entregas de seus consoles de jogos. A Sony ainda fechou seus negócios de música, se juntando ao Warner Music Group que agiu do mesmo modo.

Nessa quinta-feira foi a vez da Disney declarar que irá pausar todos os seus negócios na Rússia por causa da guerra. Depois de suspender o lançamento de filmes, agora irá interromper o licenciamento de seus produtos e conteúdos, como a Disney Cruise Line, a revista National Geographic e o tour de operações.

Desde o início da guerra, marcas de vestuário e calçado, como Adidas, Nike e Puma; o grupo de moda espanhol Industria de Diseno Textil SA; e a sueca H&M fecharam lojas ou interromperam as operações na Rússia. A alemã Hugo Boss foi uma das últimas a dizer que encerraria suas lojas e suspenderia todas as atividades de varejo próprio, além das operações de comércio eletrônico no país. A marca prometeu, no entanto, fornecer suporte financeiro a todos os funcionários afetados e manter contato próximo com seus parceiros de negócios.

A maior varejista de vestuário da Ásia, a Uniqlo, também interrompeu temporariamente as operações na Rússia, onde possui 50 lojas, logo após o fundador Tadashi Yanai ter declarado que as roupas são uma “necessidade da vida” e que, por isso, continuaria operando no país.

Outras empresas que já anunciaram sua saída do país, a suspensão de serviços e novos aportes são: BP, Exxon, Equinor, TotalEnergies, Maersk, ONE, MSC e Hapag Lloyd, Starbucks, Boeing, Airbus, Embraer, LÓreal, EY, PwC e KPMG, Apple, Ikea, Spotify, Paypal e TikTok, Diageo, Inditex, Alstom, Daimler, Nokian Tyres, UPS, FedEx e DHL, Oracle, Netflix, Facebook, Twitter e Microsoft, Amazon Web Services.

O Kremlin vem buscando opções legalmente viáveis para tomar os ativos de empresas internacionais que deixaram de operar no país por causa da guerra contra a Ucrânia. Mais cedo, o Ministério da Economia apresentou uma nova política, ainda não aprovada oficialmente, para assumir o controle temporário de multinacionais em que a participação estrangeira seja maior que 25%.

Com essa proposta, o governo russo quer pressionar as empresas. Seus proprietários teriam cinco dias para retomar suas atividades ou vender suaS participações. Outra alternativa estudada é congelar as ações das empresas a fim de proteger propriedades e funcionários.

O analista internacional e coordenador de Relações Internacionais da ESAMC, Guilherme Meireles, acredita que o objetivo de Putin é evitar uma crise social:

— Até agora, Putin está conseguindo reprimir todo tipo de manifestação contra a guerra. Mas, se começar uma crise social devido ao alto desemprego, ou uma cambial por causa da desvalorização do rublo, ele pode perder o apoio da população e até cair.

O professor de Economia Internacional da USP, Simão Silber, opina que o confisco dos ativos das multinacionais não será suficiente para resolver o problema:

— Ele (Putin) pode até ficar com os prédios, mas não vai ter como repôr os suprimentos. Nenhum país vai ter coragem de vender para a Rússia com medo da represália internacional. O maior prejudicado vai ser o cidadão russo.

E acrescenta: 

— Para mim, o tiro saiu pela culatra porque o governo russo não previa uma reação tão forte dos países aliados. Em 15 dias, a Rússia está se colocando atrás da cortina de ferro de onde demorou 30 anos para sair, com a queda do muro de Berlim.